O aroma nativo da mata: a história da Comunidade Guarani Mbya Guavira Poty

Em meio a um bosque de eucaliptos, a flor da guabiroba perfuma a aldeia.
As crianças permanecem em silêncio, atentas às mãos hábeis das mulheres tramando as fibras da taquara-mansa. É a arte da cestaria, tradição ainda viva na Comunidade Guarani Mbya Guavira Poty, a pouco mais de 30 quilômetros do centro de Camaquã (RS). Ali, a aldeia reúne 18 pessoas. Na língua guarani, Poty significa “flor” e Guavira é a guabiroba — planta nativa da América do Sul.
São quatro famílias vivendo na comunidade, numa área de aproximadamente 80 hectares: um antigo horto de eucaliptos do Governo do Estado.
Os eucaliptos ainda permeiam a paisagem, mas a natureza do lugar guarda características fundamentais para o povo Guarani: duas nascentes de água que nunca secam, áreas de mata nativa onde se encontra taquara-mansa, pau-leiteiro, frutas silvestres, chás e outras plantas.
— Aqui com certeza temos um tekoha (nome dado ao lugar onde vivem de acordo com o seu modo de ser), pois, no Guavira Poty, as crianças são felizes, nosso milho tradicional cresce bem e plantamos também mandioca e batata-doce
— conta o cacique Pedro Fernandes.
Na comunidade, a vida segue o sistema tradicional Guarani, passado de geração em geração. As famílias mantêm vivas as sementes e procuram espécies importantes em outras aldeias. A sagrada erva-mate é plantada em abundância. Os jerivás, também sagrados, são igualmente multiplicados.
— O jerivá indica que o lugar é especial.
Outra espécie importante é a palmeira-juçara, planta ameaçada de extinção. O povo Guarani tem levado sementes para a comunidade. Algumas já são pequenas mudas, plantadas perto dos cursos de água, para ajudar a proteger as nascentes. Também servem para atrair animais silvestres, que chegam em busca de suas frutas.
Maria Antônia Franco, esposa do cacique, mostra os cestos coloridos, feitos de taquara-mansa. Também há alguns animais esculpidos em pau-leiteiro.
— Temos bastante dificuldade em vender o nosso artesanato, porque estamos muito longe da cidade e o ônibus passa aqui só nas segundas, quartas e sextas. Um horário para ir e outro para voltar.
Embora estejam mais perto do centro de Cristal, o município vizinho, em Camaquã há mais oportunidades de comércio, já que a cidade é maior.
Por falta de transporte, as crianças não frequentam a escola. Tampouco há uma escola específica para elas. Não há uma estrutura para isso.
— Eu queria uma escola aqui dentro da comunidade. Preferia que as crianças pudessem estudar aqui — comenta Pedro.
A língua Guarani segue viva na aldeia, e nem todas as pessoas são alfabetizadas, principalmente as mais idosas.
Algumas só se comunicam em guarani.
A comunidade não possui saneamento básico e nem energia elétrica. Para carregar o celular utilizado para comunicação com pessoas fora da comunidade, é necessário percorrer 500 metros, até chegar a uma estrutura precária e abandonada. São as ruínas de um antigo posto do horto florestal, onde também há uma geladeira velha em que as famílias armazenam alimentos. No entanto, o prédio é inseguro e já sofreu diversos arrombamentos. A estrutura é instável, o telhado tem buracos e corre o risco de desabamento.
Não há sequer banheiro na aldeia. As famílias se banham em bacias ou no próprio rio, quando as temperaturas permitem.
— Uma das bacias colocamos encostado no mato de eucalipto, onde o sol bate mais e fica um pouco mais quente — relata o cacique.
O abastecimento de água é outra dificuldade constante. Embora haja duas nascentes, o acesso foi dificultado durante anos. É recente a instalação do sistema de bombeamento com energia solar fotovoltaica, tecnologia implantada com o apoio do Programa CAPA de Agroecologia, da FLD. Antes, as famílias precisavam ir até o rio para buscar água. Além disso, não havia sistemas de proteção de fontes (os sistemas caxambu), que evitam contaminações.

Agora, além do acesso à água potável, em quantidade e qualidade, é possível criar pequenos animais. Há, por exemplo, algumas aves como galinhas e galinhas d’angola e abelhas nativas sem ferrão. As famílias também produzem feijão, milho, batata-doce, mandioca, entre outras culturas. Mas há muitas perdas devido a intempéries e falta o apoio da prefeitura, que não fornece, por exemplo, o serviço de patrulha agrícola para a comunidade.
— Trator tem medo de toco — afirma Maria Antônia. Segundo ela, a justificativa é que o solo do lugar inviabiliza o serviço.
Entre o descaso do governo e a escassez de infraestrutura, a comunidade segue afirmando sua cultura e tradição.
— As casas de moradia queremos manter as nossas tradicionais, do nosso costume, que são quentinhas no inverno e mais frescas no verão, mas precisamos de mais estrutura para as nossas outras necessidades — reforça o cacique Pedro.
Entre o bosque de eucaliptos, as árvores sagradas persistem na aldeia. O perfume nativo da flor de guabiroba exala seu vigor ancestral. As mulheres seguem a trama dos cestos sob o olhar curioso das crianças.