Projeto ‘Mulheres Kilombolas na Lida por Direitos na Pampa’ chega ao fim fortalecendo vozes e articulações

Realizado em parceria com o Ministério das Mulheres, o projeto reuniu cerca de 70 mulheres kilombolas em Pelotas (RS).
Após 10 meses de trabalho intenso, o projeto ‘Mulheres Kilombolas na Lida por Direitos na Pampa’, uma iniciativa da Fundação Luterana de Diaconia (FLD) em parceria com o Ministério das Mulheres, reuniu aproximadamente 70 mulheres para a atividade que marcou a fase final de execução. Realizado nos dias 10 e 11 de setembro em Pelotas (RS), o encontro buscou fortalecer a articulação em rede, as identidades individuais e coletivas e promover espaços de trocas de saberes.
As ações do projeto, que envolveram cerca de 250 mulheres de 25 comunidades kilombolas em nove municípios do bioma pampa, tiveram como foco principal o fortalecimento sociopolítico, cultural, o protagonismo e a defesa dos direitos dessas mulheres.
O projeto foi desenhado para combater o histórico e estrutural racismo e a misoginia que mantêm a invisibilidade das comunidades kilombolas no bioma Pampa, com especial atenção às mulheres. A coordenadora do Programa de Educação Antirracista da FLD, Juliana Soares, explica que “a participação dessas mulheres em espaços políticos e de tomada de decisão é dificultada pela falta de acesso e pelas longas distâncias, além de serem frequentemente silenciadas e deslegitimadas quando conseguem estar nesses espaços”.
Formação e trocas de saberes
O projeto se desenvolveu em três ciclos de oficinas, totalizando 63 encontros, realizados diretamente nas comunidades. A metodologia de roda de conversa foi a principal ferramenta, criando um ambiente seguro e informal para o diálogo. Temas como a análise crítica da construção social do Brasil, a resistência das comunidades kilombolas do bioma Pampa e as questões de raça, gênero e classe da mulher kilombola foram debatidos.
De acordo com Nara Beatriz Matias Soares, da Comunidade Kilombola Manuel do Rego, de Canguçu, a troca de conhecimentos entre as participantes é fundamental para manter a memória das comunidades vivas e também fortalecer as mulheres. “Eu acho extremamente importante ter esses espaços, porque é uma forma da gente também fortalecer as nossas raízes, da gente também se fortalecer como movimento, porque as comunidades são diferentes, tem um modo de vida bastante diferente umas das outras”, completa Nara.
Encontros regionais
Além das oficinas, o projeto promoveu dois grandes encontros. O primeiro, em junho, reuniu lideranças kilombolas para debater sobre os territórios negros no Rio Grande do Sul e sobre a trajetória do movimento social negro e kilombola.
O segundo e último encontro reuniu novamente lideranças das 25 comunidades para debaterem os temas da identidade kilombola relacionados às origens históricas dos kilombos, e sobre as opressões de gênero, raça e classe e escrevivência, com o objetivo de dar protagonismo às mulheres para que contem as histórias de suas comunidades, entrelaçando as suas vidas, a ancestralidade e a coletividade.
Paralelamente ao evento de encerramento, as participantes tiveram a oportunidade de visitar a casa-exposição itinerante “Nem Tão Doce Lar”, iniciativa da FLD que visa denunciar e refletir sobre a violência doméstica e familiar. O encontro também serviu como um momento de mobilização e articulação para a Marcha das Mulheres Negras, que acontecerá em Brasília a partir do dia 25 de novembro de 2025, buscando fortalecer a presença política das mulheres kilombolas.
Principais avanços
Dentre os avanços alcançados através do projeto, Juliana destaca o protagonismo conquistado pelas mulheres. “Principalmente as oficinas foram espaços de diálogos e trocas, onde as mulheres se sentiram parte da comunidade e sociedade, assumindo um papel de destaque e controle sobre a própria vida, na busca por objetivos e soluções para problemas comuns. Notou-se um crescimento na auto-estima das participantes para discutir os diversos temas e ao final do projeto, além de relatar fatos pessoais, também relacionaram os temas abordados com as necessidades do dia-a-dia”, pontua.
A partir do projeto, houve um crescimento significativo no interesse das mulheres pelos temas que envolvem as questões raciais e pela participação em espaços de decisão política. Muitas delas têm expressado vontade de integrar conselhos municipais e algumas já participaram ativamente das conferências municipais, levando suas vozes, demandas e experiências para além das comunidades kilombolas.
Um dos marcos importantes desse processo foi a criação de uma comissão de organização, responsável por articular a participação de 80 mulheres kilombolas na Marcha das Mulheres Negras. Esse movimento demonstra o quanto as mulheres kilombolas do bioma Pampa estão se fortalecendo coletivamente e buscando ocupar espaços de representação.
Ainda, segundo Juliana, outro resultado que merece destaque é a transformação subjetiva que vem acontecendo. “Cada vez mais, as mulheres se sentem à vontade para falar sobre suas lutas, dificuldades, vivências e cotidiano, construindo uma rede de apoio e escuta coletiva. Além disso, o acesso a informações sobre a história do povo negro e kilombola tem despertado reflexões críticas, levando-as a questionar situações de desigualdade e injustiça que antes não eram problematizadas”, completa.
Segundo Maria Scarlett Pereira, da Comunidade Kilombola Coxilha Negra, de São Lourenço do Sul, esse processo de formação política não é apenas sobre aprender, mas também sobre reconhecer a força das ancestrais, fortalecer identidades e construir caminhos de luta e resistência. “No momento que estamos juntas, unidas, partilhando as nossas vivências e o que acontece conosco, sempre nos fortalecemos. Esses encontros têm acontecido regularmente, mas agora, em especial, também já pensando na marcha das mulheres negras, que vai acontecer lá em Brasília, e estamos na preparação. Por que é bom sairmos daqui do Sul bem representadas, bem fortalecidas e mostrando que aqui existem mulheres negras kilombolas e que estão na luta sempre”, conclui.
Comunidades participantes
Foram acompanhadas neste projeto as comunidades Cruz Alta e Rincão dos Negros, de Rio Pardo; Alto do Caixão, de Pelotas; Armada, Bisa Vicente, Cerro da Boneca, Cerro da Vigília, Estância da Figueira, Favila, Faxinal, Filhos dos Kilombos, Iguatemi, Manoel do Rego, Passo do Lourenço, Potreiro Grande e Santa Clara, do município de Canguçu; Tamanduá e Vila da Lata, de Aceguá; Comunidade Palmas, de Bagé; Corredor dos Munhós, de Lavras do Sul; Ibicuí da Armada, de Santana do Livramento; Vacaquá, Rincão dos Negros e Rincão da Chirca, de Rosário do Sul; e Comunidade Cerro do Ouro, do município de São Gabriel.
* Optamos por escrever kilombolas com “k” para dar protagonismo aos idiomas originários das palavras (povos africanos).