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Manifesto: nosso papel como pessoas de fé e cidadãs comprometidas com a justiça

Manifesto: nosso papel como pessoas de fé e cidadãs comprometidas com a justiça
5 de dezembro de 2016 zweiarts

Em memória do P. Valdir Frank (1954 – 2016)

“Buscai o bem e não o mal, para que vivais”. (Amós 5.14)

Vivemos tempos difíceis em nosso país. A democracia está ameaçada. Recentemente o país passou por uma ruptura democrática, as instituições políticas estão fragilizadas e desacreditadas e a participação popular direta é desprezada e reprimida. Vemos a desigualdade social, a pobreza crescendo novamente, enquanto a educação e a saúde pública vêm sendo ameaçadas. A previdência pública e a CLT estão em debate, enquanto a retirada de direitos é explicitamente defendida pelo atual governo, em nome de um ajuste econômico ameaçador. O agronegócio segue pautando a defesa do latifúndio e o uso exacerbado de agrotóxicos ameaça a vida de milhares de pessoas e traz danos irreparáveis ao meio ambiente. Os povos indígenas são cada vez menos respeitados, enquanto seus direitos culturais e territoriais são crescentemente prejudicados. A violência contra mulheres e o assassinato de jovens têm classe e cor – pessoas empobrecidas, negras e negros.

A Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB) é parte da sociedade, de tal modo que também na base das comunidades as dores e os sofrimentos causados por violências e desigualdades se fazem sentir das mais diversas formas. Essa realidade questiona a nossa fé e o nosso papel público. Por isto – como Igreja alicerçada no Evangelho da graça e do amor libertador – precisamos retomar a nossa tradição recente de denunciarmos todo e qualquer retrocesso democrático que implique perda de direitos políticos e sociais. Só assim teremos credibilidade pública para anunciarmos esperança em meio a esses tempos sombrios no Brasil e no mundo.

Nesse contexto complicado, nos encontramos em São Leopoldo, no dia 28 de novembro de 2016, na Faculdades EST, convidadas pela Pastoral Popular Luterana, com o apoio da Fundação Luterana de Diaconia, pessoas oriundas de distintas comunidades e setores da IECLB, para refletirmos sobre este momento e o nosso papel como pessoas de fé, cidadãs comprometidas com a justiça, a dignidade humana e de toda a criação. Escutamos as falas da Pastora e professora de antropologia Lori Altmann e dos ex-Pastores Presidentes Gottfried Brakemeier e Walter Altmann que fizeram um resgate da presença e do papel público da IECLB nas últimas décadas.

Evidenciou-se, mais uma vez, que política é luta pela vida, pela liberdade da pólis. Entendemos que a participação política é diaconia transformadora, é uma ação e um serviço cristão para a transformação da sociedade. Política não pode ser reduzida à política partidária. O amplo diálogo democrático é o único que garante o exercício da cidadania, como prevê a Constituição Cidadã de 1988. Como pessoas crentes, de confissão luterana, concordamos que não cabe a uma igreja ou às pessoas que professam a fé cristã propor soluções para os graves problemas políticos do país. O que lhes cabe, sim, a partir do Evangelho, é apoiar, fomentar e insistir nas lutas das pessoas e de todos os movimentos sociais que buscam a justiça, a vida digna e o bem do povo. Como escreveu a Presidenta da Conselho da Igreja, Dra. Ema Marta Dunck Cintra, em seu relatório ao XXX Concílio da Igreja realizado em Brusque/SC, em outubro passado:

“Precisamos, mais do que nunca, por meio do Evangelho, humanizar homens e mulheres coisificados e somente valorizados naquilo que se refere ao lucro econômico que podem trazer à sociedade. Precisa-se reafirmar […] a confiabilidade na palavra da nossa IECLB, afirmada no Evangelho de Jesus cristo, que pregou a paz, o amor, a solidariedade e a dignidade de todas as pessoas e para todas as pessoas. Esta deve ser a nossa luta: promover a justiça social e a dignidade para todos os filhos e as filhas de Deus”.

As distintas formas de violência e exclusão afetam a vida das pessoas e a própria democracia. A polarização e a falta de diálogo na sociedade, de modo geral, mas também na IECLB, questiona nossa vida comunitária e desafia-nos conjuntamente para uma reflexão mais amadurecida e de muita escuta mútua. Isto nos convoca para momentos de conversa e construção coletiva, para que possamos encontrar, junto com nossas comunidades e grupos organizados, caminhos de esperança. Só assim será possível avançar em comunhão solidária. Reiteramos que o diálogo construtivo, porém, necessita de mecanismos e processos que incluam todas as pessoas através de metodologias de aproximação e mediação entre propostas e grupos plurais.

De nosso debate franco e respeitoso, extraímos propostas para continuarmos nesta busca urgente e necessária:

  • Reafirmar o papel da igreja de Jesus na sua opção pelas pessoas empobrecidas e vulneráveis;
  • Animar pessoas e comunidades com palavras firmes e alentadoras diante das incertezas e sombras que se abatem sobre o nosso país;
  • Fortalecer por vários meios os valores democráticos da paz, da justiça e do cuidado com a vida das pessoas e do meio ambiente, criação do Deus vivo;
  • Priorizar na vida comunitária a relevância do cuidado com as fontes de água e a defesa da segurança alimentar para todas as pessoas;
  • Providenciar metodologias práticas para trabalhar com grupos de base na igreja as questões aqui levantadas, favorecendo o diálogo com todos os grupos interessados sem discriminar quem quer que seja;
  • Favorecer espaços específicos para a participação da juventude;
  • Reforçar a conexão entre a vida comunitária e a sociedade, de tal modo que as pessoas assumam no cotidiano suas responsabilidades como cidadãs e membros da igreja;
  • Incentivar a criatividade litúrgica e o uso de símbolos nas celebrações comunitárias, bem como uma espiritualidade dinâmica e aberta aos dons do Espírito de Cristo;
  • Incentivar o fortalecimento de uma rede de solidariedade na IECLB (PPL, FLD, CAPA, COMIN, CML, Fórum de Mulheres da IECLB, e outros setores);
  • Incentivar as propostas de educação popular (materiais pedagógicos, produção artística, teologia popular) em todos os âmbitos da igreja, que inclua crianças, adolescentes, jovens e pessoas adultas, nas comunidades e grupos de serviço;
  • Tomar consciência de que – no discipulado de Jesus – somos enviados ao mundo para ser sal da terra, luz do mundo e fermento transformador (Mateus 5.13s; 13.33).

Em solidariedade fraterna sorória, assinam

PPL – Pastoral Popular Luterana  e FLD – Fundação Luterana de Diaconia

São Leopoldo, 28 de novembro de 2016.

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