“Quando vi o facão em cima da cama, lembrei das muitas vezes em que o meu marido passava suavemente um facão no meu braço, ameaçando que se eu fosse embora (fugindo da violência), o toque não seria suave, mas derramaria meu sangue”.
Este é um dos muitos relatos colhidos nas exposições interativas Nem tão Doce Lar, promovidas por ocasião da Campanha pelos 16 dias de Ativismo pelo fim da Violência contra as Mulheres, de 20 de novembro (em outros países começa no dia 25, mas no Brasil se fez a opção de começar no Dia da Consciência Negra, para destacar a dupla discriminação sofrida pelas mulheres negras) a 10 de dezembro – Dia Internacional dos Direitos Humanos.
Só durante este período, a Nem tão Doce Lar foi montada em Sapucaia do Sul (RS), pela Secretaria Municipal de Políticas para Mulheres, em Porto Alegre (RS), pela empresa Correios e Telégrafos, e em Florianópolis (SC), pelo Conselho Municipal dos Direitos da Mulher. Ali, as mulheres também fizeram campanha para que Florianópolis tenha uma casa abrigo, que acolhe pessoas afetadas pela violência. O nome da campanha – Cortejo 5.760 – lembra que a cada 15 segundos uma mulher é agredida no Brasil; em 24 horas, são 5.760 mulheres. É um número trágico: pare, pense e conte de 1 a 15, e de novo e de novo – cada vez que você chegar no 15, uma mulher está sofrendo violência na sua casa.
Para a assessora de projetos da FLD, Marilu Nörnberg Menezes, que está à frente da exposição, um dos pontos positivos da Nem tão Doce Lar é provocar interesse tanto de grupos e organizações da sociedade civil quanto do poder público. “Atendemos grupos, secretarias municipais, estaduais e organizações de toda ordem, em muitos lugares do Brasil, que querem promover a Nem tão Doce Lar”, relatou. “Muitos trabalham em rede, o que fortalece a iniciativa.”
Pelo seu formato, a Nem tão Doce Lar “tira” a violência doméstica do ambiente privado e a escancara. Como é montada em espaços de grande circulação – praças, shoppings, universidades, áreas centrais da cidade – ela chega a pessoas que nunca iriam participar de um seminário, por exemplo, ou outro evento sobre violência doméstica. “A Nem tão Doce Lar fala para o público em geral, e não somente para quem atua na área. Este é o grande diferencial que a metodologia traz”.
Uma vez que o tema é extremamente difícil, a FLD, a cada exposição e de acordo com as necessidades, realiza oficinas de capacitação para os/as acolhedores e acolhedoras. “Eles/as precisam estar preparados/as para responder perguntas e para atender situações de emoção, revelações e desabafos”, lembrou Marilu. “Isso também faz parte da metodologia. Não se pode ‘revelar’ as feridas e deixar as pessoas desamparadas.”
A mostra interativa nasceu a partir de uma exposição internacional chamada Rua das Rosas, criada pela antropóloga alemã Una Hombrecher, com o apoio da agência Pão para o Mundo (PPM). Uma primeira edição foi promovida no Brasil em 2006, sob a coordenação da FLD e de um consórcio de organizações da sociedade civil. Posteriormente, a partir um processo de construção coletiva, a Rua das Rosas recebeu um enfoque brasileiro. O nome Nem Tão Doce Lar faz alusão à citação Lar doce Lar, muito comum em casas brasileiras.
Grupos interessados em levar a mostra para suas cidades devem contatar diretamente a FLD, que orienta todo o processo, assessora a capacitação dos/as acolhedores/as e monitora o desenvolvimento e desdobramento das atividades. Contatos podem ser feitos pelo email fld@fld.com.br.
Fotos: exposição e cortejo 5.760 em Florianópolis