Neste Dia Mundial da Biodiversidade, 22 de maio, o Instituto Gaúcho de Estudos Ambientais (InGá) divulgou o documento encaminhado ao Governador gaúcho, Tarso Genro, através do qual reavalia a situação ambiental no Rio Grande do Sul, lembrando a Operação Concutare da Polícia Federal, e crise de gestão que dificulta as ações de conservação da Biodiversidade. “Uma série de administradores ligados prioritariamente ao setor da monossilvicultura e/ou representantes de partidos políticos, nem sempre com trajetória na área, vem ocupando o cargo da direção do Departamento (de Florestas e Áreas Protegidas, DEFAP) . Justamente, neste mês de maio funcionários do DEFAP expressaram seu desejo de sair da Secretaria devido a ingerência político-partidária de cargos de confiança em balcões de licenciamentos regionais,” alerta o InGá.
O documento assinado pelos ambientalistas representantes do InGá, o biólogo e professor da UFRGS Paulo Brack e o filósofo Vicente Rahn Medaglia, defende que direção do DEFAP tenha “o mesmo princípio norteador da futura FEPAM: qualificação técnica e a prioridade devida, que afaste de vez os critérios partidários para a chefia do setor”. A referência à Fundação de Proteção Ambiental Luís Henrique Roessler, FEPAM, se deve à mudança que está passando a partir da prisão do presidente, dentre outros da área ambiental e já libertados, durante a Operação Concutare de combate à corrupção no licenciamento ambiental.
Além da incidência política, o InGá é um dos 37 grupos que realizaram ontem, 22, em Porto Alegre (RS) a sétima edição da Festa da Biodioversidade no Largo Glênio Peres junto ao Mercado Público. Durante toda esta semana acontecem ações em diversos pontos da capital, e a Festa da Biodiversidade buscou compartilhar o conceito e a vivência biodiversa no centro histórico – lugar que traduz a biodioversidade seja através da nova arquitetura invadindo o ambiente da antiga e da tradicional, o asfalto disputando o espaço com o calçamento e o desenho da ciclovia e o Mercado Público com os pratos e os alimentos tradicionais resistindo aos apelos em nome do progresso e do desenvolvimento para a demolição e a construção em seu lugar de um shopping com lojas de departamentos e lancherias fast-food.
Mas o que é biodiversidade? O educador ambiental Mateus Raymundo, também do InGá, a vê como uma resposta a homogeinização que se impõe sobre os variados aspectos do cotidiano de cada indivíduo. Dentre os quais, citou: “as diversas formas de andar e se deslocar coletivas ou individuais, em contraponto a carrocracia que sedentariza; as diversas formas de vestir e os brechós solidários, em contraponto a pressão das grandes marcas que impõe a moda; os diversos jeitos de construir, bioconstruir e manipular os objetos e materiais, em contraponto ao consumo de produtos baratos, plásticos, produzidos por países autoritários a milhões de quilômetros de distância; as diversas mídias – as mídias livres – em contraponto a mídia oculta manipuladora do modo de ser pensar agir; e os megadiversos produtos da nossa flora, da nossa natureza – alimentos, medicina, cosméticos e produtos de limpeza, em contraponto à rede de distribuição global predominantemente monocultural, transgênica, com gorduras e açúcares de péssima qualidade além das substâncias sintéticas. Nesta Terra rica e cheia de vida em que escolhemos nascer, são incontáveis as alternativas a um modo óbvio e pouco criativo imposto por esta sociedade. Com a Festa da Biodiversidade, é possível ter a visão de uma nação colorida que coexiste neste país, e que está distribuída por todo o Brasil e a América, movimentando economias, produzindo conhecimento, cultura e que tem opinião conhecendo os mecanismos do Estado”.
“A ora pro nobis é conhecida como 'carne de pobre'por conter proteínas, pode ser utilizada em saladas e sucos ou no que a criatividade e a sabedoria puderem aplicar. De modo geral, as cactáceas são bem conhecidas e muitas delas são comestíveis,” explicou. Mateus, que admira o trabalho de uma das mais respeitadas cientistas e ativistas, da Índia, Vandana Shiva, concorda com ela que a homogeneização da cultura é a pior patologia a ser combatida na nossa sociedade.
Bancas de sementes, detentoras do patrimônio genético da humanidade, bem da natureza e coletivo, são sempre as mais coloridas. Dezenas de variedades de feijão, de milho, evidenciam as biodiversas possibilidades de se alimentar e criar formas de trabalho e renda visando ao bem estar e a justiça socioambiental.
Informações sobre a fauna e a flora dos biomas que conformam o Rio Grande do Sul, Mata Atlântica e Pampa, puderam ser acessadas pelos/as passantes do Largo. A programação incluiu oficinas e atividades, como a montagem da geodésica (estrutura arquitetônica utilizada pelas mais diversas civilizações desde a antiguidade), danças circulares, pintura e serigrafia, canto e batucada, biopoética, cultura rastafari, percussão, teatro de bonecos mamulengos, apresentação teatral e muitas outras. Mais desta Festa, só em maio de 2014 ou contatando diretamente com esta Rede de Biodiversidade: Amigos da Terra Brasil, ANAMA – Ação Nascente Maquiné, Associação de Mulheres Vitória Régia, Cambada em Ação Direta Levanta Favela, Camboim – Coletivo de Educadores, CaSatieRRa, Cinturão Verde, Coletivo Catarse, Comitê Popular da Copa, COMPAZ – Comunidade Morada da Paz, Confeitaria Brasil, CulturArtivista, DAIB –UFRGS, Dionysios, Econsciência, Escola do Beabá de Angola Malta dos Guris e Gurias de Rua, Expressão Popular, festadabiodiversidade, GARRA, Grupo de Capoeira Angola Zimba, Grupo Viveiros Comunitários, Guayi, InGá, Levanta Favela, Movimento Zeitgeist, NegrArte, Ponto de Cultura Ventre Livre, Princípio Ativo, Programa Macacos Urbanos, Quilombo do Sopapo, Rizoma Cooperativa, RODA, Senda Viva, TV Nagô, Utopia e Luta, UVAIA, Vanguarda Abolicionista.
Conheça o documento encaminhado ao Governador gaúcho Tarso Genro:
Porto Alegre, 22 de maio de 2013
A sua Excelência o Senhor
Tarso Fernando Herz Genro
Governador do Estado do Rio Grande do Sul
Assunto: Dia da Biodiversidade, a SEMA e as Políticas Ambientais do Estado
Senhor Governador,
Tendo em vista comemorarmos hoje (22/05) o Dia Mundial da Biodiversidade, vimos expressar a Vossa Excelência e à população gaúcha nossa imensa preocupação em relação à ausência de prioridade quanto às políticas de gestão da biodiversidade do Rio Grande do Sul, diante de um quadro crescente de degradação de nossos ecossistemas.
Em primeiro lugar, trazemos aqui a questão do topo da crise na gestão ambiental que culminou no último dia 29 de abril na Operação Concutare da Polícia Federal deflagrada nas secretarias de meio ambiente estadual e municipal de Porto Alegre. Ficou evidente que o descontrole e o peso partidário se sobrepuseram a um necessário envolvimento com a temática ambiental das chefias destas pastas e do centro do governo. Inclusive, Vossa Excelência admitiu recentemente que a FEPAM não seria mais ocupada por cargos político-partidários.
Porém, tanto na cúpula da Secretaria como no que toca especificamente ao setor responsável diretamente pela proteção da Biodiversidade, até agora, não houve isonomia no tratamento dessas questões.
No que se refere aos secretários de Meio Ambiente do Estado, estamos no quarto chefe da pasta em pouco mais de dois anos. Ademais, há dez anos assistimos administrações desastrosas e uma enorme insatisfação interna, por parte dos funcionários da SEMA – em sua grande maioria altamente qualificados e empenhados em seu papel de servidores públicos. Por outro lado, estes se vêem diante de cúpulas gestoras em sua maioria descompromissadas e que se utilizam dos órgãos muito mais por seus interesses pessoais ou partidários, econômicos ou governamentais. Subverte-se a máquina administrativa e também o sistema de licenciamento ambiental à pressão política e à permissividade na emissão de licenças, que beneficiam os grandes setores, como vem acontecendo nestes anos.
Especificamente à conservação da Biodiversidade, com exceção da vigorosa administração da Fundação Zoobotânica, chefiada atualmente por técnicos experientes e funcionários da própria instituição, a chefia do Departamento de Florestas e Áreas Protegidas (DEFAP) desde 2003 vem passando por uma crise de gestão crescente. Uma série de administradores ligados prioritariamente ao setor da monossilvicultura e/ou representantes de partidos políticos, nem sempre com trajetória na área, vem ocupando o cargo da direção do Departamento. Justamente, neste mês de maio funcionários do DEFAP expressaram seu desejo de sair da Secretaria devido a ingerência político-partidária de cargos de confiança em balcões de licenciamentos regionais.
Considerando a estrutura do DEFAP muito aquém da necessária, inclusive para a proteção das Unidades de Conservação, chamamos aqui a atenção, portanto, para que a sua direção tenha o mesmo princípio norteador da futura FEPAM: qualificação técnica e a prioridade devida, que afaste de vez os critérios partidários para a chefia do setor. Ademais, reivindicamos a redução do elevado número de cargos de confiança da Secretaria Estadual de Meio Ambiente, sendo paulatinamente substituídos por funcionários concursados, o que fortalecerá as políticas ambientais como um todo.
Da mesma forma, o Ingá vem em nome das demais entidades ambientalistas chamar a atenção para a necessidade do fortalecimento das políticas de proteção à biodiversidade, a fim de que se supere o recorrente divórcio entre as diversas pastas do governo e a área ambiental. É importante lembrar que as entidades ambientalistas vêm cobrando há mais de um ano, sem sucesso, um encontro com Vossa Excelência a fim de que seja de fato oportunizado um debate amplo sobre o modelo de produção que consideramos predatório. Os grandes empreendimentos de alto impacto ambiental, como investimento em carvão mineral, grandes hidrelétricas, monoculturas de exportação e parques industriais, com produtos ligados à obsolescência planejada, continuam sendo colocados como prioridade nas chamadas políticas de desenvolvimento do Estado e também do País.
Como dezenas de milhares de gaúchos que estiveram motivados pela bandeira de “Um Outro Mundo é Possível”, assistimos com tristeza e indignação que a perversa globalização econômica, muito bem incorporada aqui, está tornando impossível um caminho sustentável. Por isso, consideramos fundamental que se revejam os paradigmas vigentes ligados à acumulação e ao crescimento econômico que vêm destruindo a vida no Planeta.
Necessitamos de um amplo e verdadeiro diálogo e de caminhos genuínos que incrementem a sociobiodiversidade e a agrobiodiversidade, por meio de círculos virtuosos que respeitem as vocações locais, as tecnologias sociais e promovam processos que tragam maior autonomia e soberania à maioria da população.
A biodiversidade é nossa e sua boa gestão é fundamental para a melhor qualidade de vida dos gaúchos.
No aguardo de Vossas considerações,
Respeitosamente
Paulo Brack Vicente Rahn Medaglia
InGá
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