Esta matéria e o vídeo produzidos pelo Arte em Conjunto são destaque esta semana no site da Aliança ACT, www.actalliance.org.
“O meu sonho? Arrumar um emprego e morar em um lugar melhor, com menos violência”, disse Yago Conceição da Silva, 14 anos, que mora na Favela do Sapo, no bairro de Senador Camará, Rio de Janeiro (RJ), Brasil. “Já vivemos várias guerras aqui. Teve muita morte e isso não é bom. Desvaloriza a comunidade, cria preconceito. As outras pessoas nos veem como bichos, como um nada. Então é essa violência que eu presenciei que marca na memória.”
Yago é um dos jovens que integra o Grupo Sócio/Cultural
Arte em Conjunto, uma pequena organização que atua na Favela – ou Bairro – do Sapo e na região à volta. Yago é responsável pela área de fotografia e faz “quase tudo na filmagem, especialmente a parte técnica”– ele participou da elaboração do vídeo que acompanha esta matéria. Alguns projetos do grupo recebem apoio da Aliança ACT – através da Fundação Luterana de Diaconia, do Brasil, e de EED e Bread for the World, da Alemanha.
Clima de guerra
Em 2006, o bairro de Senador Camará ocupava, na cidade do Rio de Janeiro, o primeiro lugar em queima de ônibus, tinha o maior índice de roubo de carros e a principal escola havia sido furtada 15 vezes em menos de um ano. Duas das maiores facções criminosas disputavam o território para a venda de drogas. Os moradores viviam uma realidade de medo, tensão e de silêncio.
Em 2007, mais de 500 policiais, em uma megaoperação, invadiram e cercaram duas comunidades no bairro. A televisão mostrou cenas semelhantes às de países em conflito: policiais armados, pessoas tentando se proteger, dois rapazes sendo perseguidos e mortos diante das câmeras. “O saldo do confronto entre traficantes e policiais foi de 12 mortos, entre elas uma criança de 4 anos, e quatro feridos”, contou o criador e educador social do Arte em Conjunto, Mario Luiz Gomes. Durante todo aquele ano, as comunidades nas favelas viveram medo e terror, escolas públicas e o comércio foram fechados. Dados apontam que mais de 100 pessoas foram mortas.
Em 2010, o Governo do Rio promoveu outra grande operação, em outra região da cidade, no Complexo do Alemão e Vila Cruzeiro, com o objetivo de desalojar traficantes. A mídia anunciou o “desmantelamento” do tráfico. Mas, depois disso, e mesmo com o programa de instalação das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs), que atualmente garantem “turismo nas favelas”, não se alcançou o fim da violência. Em outubro de 2012, uma operação da polícia militar em Senador Camará interrompeu as atividades de três escolas da comunidade, deixando mais de 1.500 alunos sem aulas.
Superação
Nesse contexto de violência que nasceu, em 2006, o Centro Cultural Arte em Conjunto, como uma iniciativa construída a partir da reflexão e das expectativas das e dos moradores da favela, sustentado na mobilização comunitária. A partir do projeto surgiu uma rede de cultura, reunindo diferentes grupos de arte-educação que atuam na região.
Um exemplo desta “rede” é a parceria do Arte em Conjunto com o Centro Cultural Caixa de Surpresa, de Vila Aliança, do qual participam as gêmeas Dayana e Dayane Main, 23 anos. O depoimento das irmãs mostra um pouco a dimensão e os resultados do trabalho. Elas estão no projeto desde os 11 anos e ali se apaixonaram pela dança. Estudam Geografia na faculdade e trabalham para contribuir com a família, mas tem uma grande vontade: “sabemos que é difícil, mas sonhamos em viver da nossa arte.”
“Jovens são responsáveis pelas grandes mudanças na sociedade”, afirmou o educador social do Arte em Conjunto, Mario Luiz Gomes. “Um provérbio africano diz: ‘Se vocês quer entender como uma história termina, preste atenção no seu começo’”. A história do Arte em Conjunto começou com um mutirão de limpeza na comunidade do Sapo, feito pelos jovens que vivem ali.
Ana Carolina Gomes da Silva, 27 anos, estudante de História na Universidade Rural Fluminense, que assim como Yago está envolvida nas atividades, disse: “depois que começamos o grupo, surgiram outras responsabilidades: oficinas de grafite, de desenho – os encontros aconteciam no pátio do meu prédio –. Acabei me envolvendo cada vez mais.”
“Trabalhamos com pouquíssimos apoios. Mesmo assim, estamos conseguindo resultados. Junto com a comunidade, criamos uma associação de moradores, criamos grupos de carnaval, estamos criando uma marca de produtos, trabalhamos com diversas igrejas e com religiões afrodescentes, afirmou Mario. “Os/as jovens que vivem em Senador Camará é que estão reinventando-se a si próprios/as e construindo um outro futuro. Junto com as histórias de violência, temos histórias fantásticas de superação.”
Foto: Yago Conceição da Silva, com sua irmãzinha no colo.