Evelyn Araripe, 27 anos, é educomunicadora da Viração Educomunicação e mobilizadora nacional da Rede Nacional de Adolescentes e Jovens Comunicadores (Renajoc). Ela esteve em Doha, no Catar, de 26 de novembro a 7 de dezembro de 2012, fazendo a cobertura da Conferência sobre o Clima (COP 18) a partir da visão e da linguagem da juventude. Abaixo, ela traz suas impressões.
Como você foi “parar” em Doha?
O interesse da Renajoc existia e fomos atrás. Tivemos uma série de auxílios e parcerias. Uma parte dos recursos veio da parceria da Renajoc com a Fundação Luterana de Diaconia, outra parte foi com o apoio do Unicef. A hospedagem foi garantida pelo governo do Qatar, que financiou as despesas de hotel para 150 jovens de todo mundo.
Como foi a experiência?
Totalmente nova. Acompanhar de perto as negociações climáticas foi um grande aprendizado. Acho que a maioria das pessoas não tem noção do quão complexo é uma negociação entre 193 países que compõem as Nações Unidas. Eles gastam dias discutindo o local de uma vírgula, por exemplo. Às vezes, a gente pensa que eles não estão trabalhando, estão com má vontade, mas não é isso. A impressão que eu tive é que os negociadores trabalham muito durante as negociações, chegam a virar noites negociando, mas é que fazer os países chegarem a um consenso é muito complicado. Poder acompanhar isso de perto foi uma super experiência, um aprendizado imenso que pude trazer de volta ao Brasil para multiplicar entre os adolescentes e jovens da Renajoc. Também foi muito boa a experiência de conhecer jovens de todo o mundo e fortalecer as amizades e parcerias com jovens latinoamericanos.
Quais as atividades que vocês tiveram/fizeram lá?
Fui com a missão de me unir a outros jovens latinoamericanos e uma jovem italiana para fazermos a cobertura colaborativa e jovem da COP18. A maioria das COPs contam com a cobertura de veículos de comunicação muito técnicos e segmentados, que costumam usar linguagens não muito atrativas para os jovens. Por isso, resolvemos fazer uma cobertura mais leve, mais divertida, sem deixar de ser sério, para garantir que adolescentes e jovens também possam ter acesso às informações sobre as mudanças climáticas. Outro objetivo era comunicar sobre a COP em português, espanhol e italiano, idiomas que não são muito usados nas comunicações sobre as negociações climáticas. Sabemos que no Brasil e em muitos países latinos os jovens não têm muita familiaridade com o inglês – idioma mais usado para falar sobre mudanças climáticas. Por isso, comunicar em nossos idiomas de origem é uma forma de garantir o acesso às informações. Outra atividade que tivemos foi de fortalecer uma rede de jovens latinoamericanos para a participação efetiva na Youngo. A Youngo é a constituição da juventude dentro da Convenção Quadro de Mudanças Climáticas da ONU, a UNFCCC. A Youngo tem direito a fala na plenária principal e representa a voz da juventude dentro das negociações do clima. O problema é que hoje não existe uma representação oficial da juventude latinoamericana dentro da Youngo e aproveitamos a presença de alguns jovens latinos em Doha para começarmos a construir essa representação.
Como foi participar em um encontro tão importante e tão global?
Foi um grande aprendizado e como um intercâmbio cultural. Eu me especializei em educação ambiental e já cheguei a estudar o processo de negociações climáticas. Mas chegar a uma COP é totalmente diferente, por mais que a gente tenha estudado, é um processo complexo, técnico que me fez levar dias para entender de fato como tudo funcionava. Isso é um grande aprendizado e o melhor é poder estar ao lado de outros jovens que buscam algo em comum e que muitas vezes me ajudaram a entender melhor como tudo funcionava.
Mesmo que a conferência não tenha tido o desfecho desejável, como você vê os passos seguintes?
O bom de ter ido a Doha foi entender que as negociações não são tão simples. Confesso que voltei sem grandes expectativas no avanço das negociações nas próximas COPs. Em contrapartida, foi uma experiência que confirmou as minhas conclusões que já vinham da Rio+20: a solução para os desafios do planeta estão nas pessoas, nos movimentos encabeçados por pessoas comuns. Enquanto embaixadores e ministros negociavam, a gente pode conhecer uma série de pessoas, movimentos, organizações – em especial as de juventude, que já estão liderando movimentos tão ricos e transformadores em suas cidades e países. Acho que cada vez mais a mensagem final de uma COP será que a sociedade está providenciando as soluções, pois os governos não estão conseguindo fazer isso. E essa é a melhor pressão que a sociedade civil pode fazer.
De tudo o que você viu e viveu, alguma coisa marcou mais?
Fiquei muito impressionada com o reconhecimento e respeito que o Brasil tem dentro das negociações. O nosso país figura como uma grande potência e referência em políticas ambientais. No entanto, não mostra os seus contrastes: enquanto se gaba na frente dos países dizendo que 90% da suas fontes de energia são renováveis, pois são provenientes de hidroelétricas, não conta que está invadindo terras indígenas, como Belo Monte, para garantir o desenvolvimento de sua matriz energética. Os negociadores brasileiros diziam que sem ajuda de nenhum país, o Brasil investiu centenas de milhões de reais em projetos climáticos, mas não contou que também investiu dezenas de bilhões em subsídios aos combustíveis fósseis. Então, foi muito marcante ver tão de perto as duas faces do Governo Brasileiro. Eu concordo que o Brasil tem adotado projetos e iniciativas positivas na agenda ambiental e climática, mas também acho que são tantos problemas sociais, ambientais e economicos a serem solucionados antes de querer figurar como uma liderança e referência nas negociações globais.
Foto: A terra é a nossa casa, na passeata de jovens em Doha. De Sidney Traynham, coordenador de Comunicação da Federação Luterana Mundial (FLM) na COP18.