A situação das chuvas fez gerar um sentimento de impotência. “Em tempos onde estamos acostumados a controlar tudo, fomos defrontados com uma força muito maior, tendo que nos submeter aos poderes da natureza”, refletiu o pastor da Paróquia de Santa Teresa, Espírito Santo, da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil, Nivaldo Geik Völz. “Além disso, em boa parte, tivemos que arcar com as consequências dos nossos próprios atos, por não respeitar os limites do que é próprio da natureza.”
Santa Teresa foi um dos 54 municípios afetados pelas chuvas das últimas semanas no estado do Espírito Santo. Assim com em outros locais, o resultado foram alagamentos que cobriram as ruas da cidade, casas e lojas tomadas pela água e lama, perda de objetos pessoais e bens materiais.
Já nas enconstas de morros, muitas casas ficaram comprometidas com deslizamentos. Houve um deslizamento no Bairro Vila Nova que destruiu, pelo menos, três casas. Não houve vítimas fatais, mas 150 famílias estão desabrigadas. O maior motivo da inundação foi o transbordamento dos rios Timbui e São Lourenço, já que os canais subterrâneos não foram suficientes para escoar toda a água. Depois da chuva veio o sol quente e, com ele, o mau cheiro de lixo misturado com lama.
No que se refere especificamente aos membros luteranos, pastor Nivaldo contou que na cidade nenhuma família da comunidade teve perdas. Já no interior, as famílias que vivem da produção de hortaliças contabilizam perdas em torno de 90%. Em algumas culturas, chega a 100%, a ponto de terem que refazer todos os plantios.
Das famílias do interior, muitas tiveram suas casas afetadas por deslizamentos de barrancos que caíram sobre partes das casas. Em uma das casas, a terra derrubou a parede do quarto do casal e a parede com terra caiu em cima da cama. Só não houve vítimas porque a família saiu durante o dia, prevendo que a área oferecia risco.
No mais, o maior problema foi o isolamento durante os dias de chuva.
Sem medir consequências
“Vizinhas e vizinhos se acolheram, se protegeram, se ajudaram. Pessoas foram movidas em direção umas às outras, não medindo as consequências de suas ações para si mesmas. Poucas vezes vi atitudes tão nobres durante o ministério”, afirmou pastor Nivaldo. Ele cita dois fatos que, entre tantos outros, destacaram-se pela solidariedade.
Um senhor da comunidade de Serra dos Pregos, Franz Braun, teve de ser trazido para o hospital devido a fortes dores, amenizadas somente com aplicação de morfina. Como a família não dispunha deste medicamento em casa, na manhã do dia 24 de dezembro, precisou percorrer cerca de 15 km de estrada, com muita chuva, em meio a deslizamentos de terra e queda de árvores. Chegando à cidade, as ruas estavam alagadas. Não tinha como seguir de carro. A solução foi carregar seu Franz nos braços, atravessando água que vinha até a cintura daqueles que o carregavam para chegar com ele até o hospital. E assim aconteceu.
Em Alto Caldeirão, era preciso retirar Luzia Knaak de sua casa, que ficava ao lado de um barranco. Com 89 anos, sofrendo de obesidade, ela foi retirada dentro de um lençol amarrado em varas de bambu. O barranco desmoronou, mas ela já estava em segurança. Novamente, a solidariedade dos vizinhos e familiares falou mais alto.
À luz de velas
Em conversas informais no meio do desastre, veio uma constatação: a situação fez com que muitas famílias revivessem uma dinâmica de vida de 50 ou 100 anos atrás, quando nossos antepassados não tinham energia elétrica, água encanada, internet, celular e estradas.
“Durante alguns dias, todas e todos ficaram isolados. Ricos e pobres compartilharam da mesma situação. Todos estavam sob o mesmo risco. E ali, a solidariedade foi o maior sentimento e atitude”, afirmou o pastor.
Para ele, talvez tenha sido o Natal vivido em sua maior essência. Os programas de Natal e cultos de Natal foram momentos de chamar as pessoas à oração. As celebrações noturnas foram conduzidas à luz de velas pela falta da energia elétrica. Criou-se um ambiente celebrativo, onde o silêncio e a oração eram espaços de entrega, fé e confiança no agir misericordioso de Deus.
Vamos plantar de novo
Em termos de reconstrução, de olhar para frente, de esperança, pastor Nivaldo disse:
“Ao visitar algumas famílias nos dias seguintes ao desastre, o sentimento que pude verificar é de esperança e fé. Para os que tiveram prejuízos na agricultura, a questão se resume nas palavras das próprias pessoas: ‘é, pastor, o jeito agora é semear e plantar de novo. Deus vai nos abençoar mais uma vez. Só não podemos perder a fé’.
Essa frase me marcou muito. No culto de Natal, 25 de dezembro, na Comunidade Luterana de Alto Caldeirão, a igreja estava cheia. Só para citar um exemplo das famílias que moram em uma região mais alta, 15 pessoas vieram em cima de um microtrator que tem tração nas quatro rodas. Só assim puderam descer e subir os morros tomados pelo barro. Isso, a meu ver, é uma demonstração de fé e de esperança.
Também vale citar que todas as ofertas dos cultos de Natal foram destinadas para as comunidades em situação de emergência, como proposto pelo pastor sinodal.
É preciso lembrar sempre de novo que, em situações como essa, todas e todos somos um, independente de confissão religiosa, condição social ou outra particularidade. Todos estamos no mesmo barco.
Doações
Comunidades ou mesmo pessoas físicas podem ser solidárias com o povo capixaba, enviando doações em dinheiro para a conta da IECLB:
- Banco do Brasil: Agência 0010-8 – Conta corrente 60.000-8; CNPJ 92.926.864/0001-57.
Os valores e origem dos valores devem ser informados, via o endereço secretariageral@ieclb.org.br. A partir do levantamento das necessidades que o Sínodo Espírito Santo a Belém fará, as doações serão devidamente encaminhadas.
O Sínodo Espírito Santo a Belém também disponibilizou contas bancárias para o recebimento de auxílio financeiro:
- Bradesco: Agência 2197-0 – Conta corrente 7.204-4
- Banestes: Agência 271 – Conta corrente 6.391.809
- Sicoob: Agência 3008 – Conta corrente 71.467-4
Fotos: Nivaldo Geik Völz.