Um público de 140 pessoas, representando cerca de 45 organizações da sociedade civil, além de entidades de apoio e gestores de 17 municípios, participou do primeiro seminário regional do Projeto Pampa – Valorização socioambiental do Pampa: integrando saberes e práticas –, promovido pela FLD em São Francisco de Assis (RS), no dia 26 de fevereiro. O objetivo principal foi trazer às/aos moradoras/es informações sobre o projeto e discutir desafios, potencialidades e diferenciais da região.
Além das palestras do pesquisador da Embrapa Pecuária Sul/Bagé RS, Marcos Borba, e da chefe da Área de Proteção Ambiental (APA) do Ibirapuitã/ Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), Eridiane Lopes da Silva (leia no final da matéria), a programação teve atividades em grupo, com o objetivo de responder a seis perguntas a partir de uma constatação inicial:
Mudanças são próprias da dinâmica da vida, porém é preciso avaliar que tipo de mudanças estão acontecendo na região onde moramos. Que processos provocaram estas mudanças, qual o ritmo e o rumo destas mudanças e suas consequencias para as pessoas, a paisagem e os recursos naturais.
- Grupo 1: Podemos incidir nas mudanças para que gerem menos impacto ou mais benefícios para a conservação do Pampa e para as pessoas que vivem nele? O que é (ou parece ser) inevitável e o que podemos intervir individualmente e coletivamente?
- Grupo 2: Que mudanças na biodiversidade (fauna, flora, solos), nos ofícios (“jeito de fazer”), cultura (festividades, música, lazer, religiosidade etc) e paisagem estamos percebendo? Quais os aspectos positivos e negativos destas mudanças?
- Grupo 3: Que iniciativas no Pampa da Fronteira Oeste promoveram/promovem uma visão integradora de aspectos socioculturais, econômicos e ambientais? Conhecemos todas? Deveríamos conhecer? Como estas iniciativas chegam até nós?
- Grupo 4: As iniciativas promovem uma visão integradora no Pampa da Fronteira Oeste deveriam ou poderiam ser potencializadas? De que forma?
- Grupo 5: Considerando que há possibilidade de potencializar iniciativas que promovem uma visão integradora no Pampa da Fronteira Oeste, como posso, enquanto indivíduo, grupo ou entidade, contribuir com esse processo?
- Grupo 6: Considerando que há possibilidade de potencializar iniciativas que promovem uma visão integradora no Pampa da Fronteira Oeste, como gestores públicos podem contribuir com esse processo?
As conclusões dos diferentes grupos foram apresentadas à tarde, na plenária, e constam do relatório final do encontro. Para dar continuidade às discussões e propostas, formou-se um grupo consultivo, que também vai contribuir com o planejamento e execução de atividades na região previstas no projeto da FLD, especialmente de articulação, intercâmbio e formação. O grupo, que terá sua primeira reunião em meados de março, em Manoel Viana (RS), é formado por: representantes da agricultura familiar, pecuária familiar, agroindústria familiar, assentamento, artesanato, apicultura, pesca, comunidades quilombolas, jovens rurais, além de representantes de entidades de classe, instituições de ensino, entidades de apoio e gestores públicos. A primeira reunião está marcada para o mês de março, na cidade de Manoel Viana.
Documento final
No seminário foi aprovado um documento final, contendo considerações e demandas da população do bioma Pampa, em especial da região da fronteira Oeste. O documento será entregue para representantes do Governo durante o Seminário Internacional do Bioma Pampa, a ser realizado nos dias 22 e 23 de abril, em Porto Alegre (RS).
Modelo de desenvolvimento
“A imagem de que a fronteira oeste é a parte mais pobre do estado do RS é uma inverdade”, afirmou o pesquisador da Embrapa Pecuária Sul de Bagé (RS), Marcos Borba, durante sua fala sobre Ameaças à cultura e paisagem do Pampa e desafios para sua conservação. “Além de uma biodiversidade enorme, temos aqui a pecuária e a agricultura familiar, que produzem comida de verdade, em contraponto com as grandes monoculturas, como a da soja.” A produção de soja vem crescendo rapidamente no território, ameaçando as possibilidades de produção sustentável, a partir das características locais. “Já vimos isso antes, a promessa do milagre, e vimos que não deu certo.”
É possível ter um modelo de desenvolvimento apoiado na identidade do território, onde os recursos naturais tenham um papel fundamental. Um exemplo concreto é a Rede de Produtores e Empreendedores do Alto Camaquã, criada em 2011, composta por associações de produtores de sete municípios. Sua criação foi impulsionada pelo projeto Alto Camaquã, da Embrapa Pecuária Sul, que prevê a valorização e a diferenciação da produção local.
“A pecuária familiar ecológica é uma estratégia de desenvolvimento sustentável”, disse Borba, que está envolvido diretamente no projeto. As diversas ações contemplam a organização de atores sociais para debater o desenvolvimento sustentável, o estudo da diversidade e complexidade das formas de organização e de funcionamento da pecuária familiar da região, a identificação e caracterização das práticas de manejo dos recursos naturais e a construção coletiva de estratégias de manejo sustentável.
Pampa pobre ou rico?
“Muitas pessoas acham que o Pampa é um grande descampado, um ‘gramadão’”, disse a palestrante Eridiane Lopes da Silva, chefe da Área de Proteção Ambiental (APA) do Ibirapuitã/Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). Na palestra sobre a Importância sociocultural, ambiental e econômica da conservação da biodiversidade do Pampa, ela reafirmou: “a biodiversidade é enorme, assim como as possibilidades de um desenvolvimento sustentável”.
Para Eridiane, um dos grandes desafios é abrir os olhos dos gestores públicos para este fato. As decisões sobre financiamentos e o enfoque desenvolvimentista são tomadas de cima para baixo, em Brasília, em Porto Alegre. “A população local precisa se unir e exigir que os recursos financeiros venham atender necessidades reais, e não o que governantes acham que ela precisa.” Pessoas de fora muitas vezes tomam decisões equivocadas, por terem uma visão distorcida sobre a região.
Ao mesmo tempo, a população também precisa se convencer da riqueza disponível ali. A palestrante citou um exemplo simples: para enfeitar chinelos feitos artesanalmente, um grupo de mulheres comprava miçangas e pedras artificiais. Aos poucos, se deram conta de que a região é uma grande produtora de pedras semipreciosas. Desde então, o grupo vem usando os recursos locais para confeccionar o produto.