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Debatedores apontam casos de racismo e xenofobia no Brasil

Debatedores apontam casos de racismo e xenofobia no Brasil
24 de setembro de 2015 zweiarts

 A Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional promoveu audiência pública para discutir recentes casos de ataques xenófobos no Brasil, em especial contra os imigrantes haitianos. A secretária geral do Conselho de Igrejas Cristãs no Brasil (CONIC), pastora Romi Bencke, esteve representando o Fórum Ecumênico ACT Brasi. Também estiveram presentes a secretária executiva da FLD, Cibele Kuss, e representantes da Coordenadoria Ecumênica de Serviço (CESE) e o Conselho Latino Americano de Igrejas (CLAI-Brasil).

 A audiência foi solicitada pelos deputados Ivan Valente (Psol-PS) e Jean Wyllys (Psol-RJ). A motivação para a audiência  foi um ataque contra refugiados haitianos, ocorrido em 1º de agosto, em São Paulo (SP).

Na ocasião, seis pessoas foram atingidas por balas de chumbinho nas escadarias da Igreja Nossa Senhora da Paz, onde funciona a Missão Paz, que acolhe imigrantes em São Paulo. Segundo os deputados, antes de receberem atendimento médico, os haitianos foram rejeitados em duas unidades de saúde.

Dados do Ministério da Justiça apontam que o número de imigrantes que solicitam visto de permanência no Brasil dobrou em quatro anos, chegando a 30 mil pedidos anuais – contra 15 mil em 2010. Do Haiti, chegaram ao Brasil mais de 7 mil pessoas apenas pelo Acre.

Crise econômica

A crise econômica foi apontada como ingrediente novo nas manifestações contra estrangeiros, especialmente haitianos e africanos. “O imigrante pode parecer para alguns como concorrente, mas um país com 200 milhões de habitantes não pode ficar preocupado com 10 mil imigrantes. Isso não influi em nada na questão da mão de obra. É produto de um preconceito”, disse Ivan Valente.

Eliza Odina Conceição Silva Donda, representante do Projeto Missão Paz, relatou como foi o caso da agressão aos haitianos. A entidade é referência em serviços de assistência a imigrantes e refugiados e recebeu 5 mil deles somente em 2014. Eliza admitiu a existência de racismo e xenofobia contra imigrantes, mas disse que nesse caso específico isso ainda não está comprovado.

“Eles não ouviram nenhum grito contra o fato de estarem no Brasil. Acharam que tinham sido apedrejados. Eles estão com medo”, explicou. Segundo ela, a agressão pode ter sido uma retaliação de gangues de assaltantes que age na região que responsabiliza os haitianos pelo aumento de policiamento no local.

De acordo com Eliza, a xenofobia ou racismo nasce da falta de informação. “O imigrante ainda é visto como uma ameaça, um criminoso. Não pode haver essa generalização”.

A audiência também contou com a presença de Juliana Felicidade Armede, da Secretaria da Justiça e da Defesa da Cidadania do Estado de São Paulo. Ela admitiu outras ocorrências contra imigrantes em São Paulo, em especial na região de Americana (SP).

Intolerâncias

A pastora Romi Bencke, secretária-geral do CONIC, representando o Fórum Ecumênico ACT Brasil, disse que casos como o dos haitianos não são isolados. “Xenofobia é relacionada a outras intolerâncias, como religiosa, de gênero, linchamentos públicos e aumento da violência policial”.

Segundo ela, no caso de haitianos e senegaleses, a xenofobia tem relação com o racismo, que é ainda bastante forte no País. “Houve o caso de um senegalês queimado no Rio Grande do Sul, e é comum haitianos e senegaleses serem abordados por policiais”, disse.

Ela apresentou dados da Pesquisa Mundial de Valores, realizada no Brasil em 2014, segundo a qual 74% dos entrevistados disseram que as ofertas de empregos deveriam ser feitas prioritariamente a brasileiros, e não a estrangeiros.

Estereótipos

Magali Naves, representante da Secretaria de Igualdade Racial da Presidência da República, admitiu o preconceito contra estrangeiros no País, especialmente contra os negros. E contou que participou, como representante do governo, do lançamento de um programa educacional voltado para estrangeiros “em um estado do sul”, programa planejado com base em hipóteses equivocadas. “Era um programa de alfabetização de haitianos. O problema é que a maioria dos imigrantes do Haiti tem ensino médio e muitos têm curso superior ou doutorado”, disse.

Renel Simon é estudante de Relações Internacionais e veio do Haiti há três anos. Ele trabalha no Centro de Referência e Assistência Social do Vale do Taquari (RS) como apoio a imigrantes, não só haitianos. “O pessoal só fala dos haitianos, mas tem também os senegaleses, afegãos e outros”, disse. Ele apontou casos de racismo e xenofobia no Brasil “É importante ouvir o imigrante para saber o que estamos passando. Eu, como imigrante, já acompanhei vários casos de racismo e xenofobia. Mês passado um haitiano levou um tapa na cara porque chegou cinco minutos atrasado no trabalho”.

Inserção na sociedade

O deputado Takayama (PSC-PR), descendente de japoneses, participou da discussão. “Meus pais vieram para o Brasil nas mesmas situações que os haitianos enfrentam hoje. E ninguém pode dizer que os japoneses não contribuíram com o Brasil”.

Para o deputado Henrique Fontana (PT-RS), o Brasil tem que criar condições para que os imigrantes sejam inseridos na sociedade. “Temos que abrigar imigrantes no Brasil e mudar as restrições que ocorrem em outros países”.

Especialistas defendem mudanças na legislação

Os participantes da audiência defenderam a mudança da legislação sobre estrangeiros no País. A Câmara analisa o Projeto de Lei (PL) 2516/15, que institui a Lei de Migração – no lugar do Estatuto dos Estrangeiros (Lei 6.815/80), adotado durante o regime militar. A proposta, aprovada pelo Senado, regula entrada de estrangeiros no País e estabelece normas de proteção ao emigrante brasileiro.

O projeto estende a possibilidade de concessão de visto humanitário ao cidadão de qualquer nacionalidade. O governo brasileiro concedeu esse benefício aos haitianos, por meio de uma resolução, em 2012, depois do terremoto que arrasou o País.

Para isso, foi preciso que o governo brasileiro criasse uma categoria especial para receber os haitianos, já que eles não se enquadravam nas possibilidades de concessões de refúgio — por não serem vítimas de perseguições políticas ou oriundas de nações em guerra civil.

Critérios

De acordo com o projeto da Lei de Migração, o benefício agora “poderá ser concedido ao natural de qualquer país em situação reconhecida de instabilidade institucional, de conflito armado, de calamidades de grandes proporções e de graves violações dos direitos humanos”.

O projeto facilita a acolhida de estrangeiros originários de nações em guerra ou graves violações dos direitos humanos, garantindo a concessão de visto temporário para quem buscar asilo no Brasil. O projeto veta a concessão de asilo a quem tenha cometido crimes de genocídio, contra a humanidade ou de guerra. Acusados de terrorismo poderão ser extraditados.

Ameaça terrorista

Romi Bencke defendeu a mudança legal. “O Estatuto do Estrangeiro ainda trata o imigrante como uma ameaça terrorista”, disse.

A atualização da legislação também foi defendida por Eliza Odina Conceição Silva Donda, representante do Projeto Missão Paz – São Paulo. “Essa lei de imigração quebra o paradigma e sai da questão da segurança nacional para a questão dos direitos humanos. O imigrante passa a ser visto como ser humano. Nós temos a imagem de um país fraterno e neutro, mas internamente temos uma legislação que repele o estrangeiro”.

O projeto reduz a burocracia na concessão de vistos no Brasil para investidores, estudantes e acadêmicos. Facilita ainda o deslocamento de “residentes fronteiriços”, que trabalham no Brasil mas conservam residência no país vizinho. O texto aprovado no Senado protege o apátrida, indivíduo que não é titular de nenhuma nacionalidade, em consonância com acordos internacionais.

A proposta trata ainda de assuntos como situação documental do imigrante; registro e identidade civil; controle migratório; repatriação, deportação e expulsão; opção de nacionalidade e naturalização; direitos do emigrante brasileiro; medidas de cooperação, como extradição, transferência de execução de pena e transferência de pessoas condenadas; e infrações e penalidades administrativas.

Além disso, tipifica como crime a ação de pessoas que promovam a entrada ilegal de estrangeiros em território nacional ou de brasileiro em país estrangeiro. A pena prevista é de reclusão de dois a cinco anos, além de multa. A pena poderá ser aumentada (de um sexto a um terço) se a vítima for submetida a condições desumanas ou degradantes.

A proposta assegura aos brasileiros que residam no exterior e desejem retornar ao Brasil a possibilidade de trazer bens sem a necessidade de arcar com taxas aduaneiras ou de importação. O projeto também permite a esse cidadão, que tenha trabalhado no exterior, contribuir de forma retroativa para a Previdência Social como segurado facultativo.

Na Câmara, o projeto será apreciado por uma comissão especial juntamente com outro projeto, o PL 5655/09, apresentado pelo Executivo, que institui a Lei do Estrangeiro. A comissão especial foi criada em 10 de agosto, mas ainda não foi escolhido o presidente nem o relator.

A proposta original do Executivo para a instituição da Lei do Estrangeiro não contempla casos como os dos haitianos. Entre outras medidas, estabelece que a atuação de estrangeiros em regiões consideradas estratégicas, como é o caso das áreas indígenas, somente poderá ocorrer mediante autorização prévia.

A proposta também amplia de quatro para dez anos do prazo mínimo para naturalização ordinária e estabelece condições para extradição de brasileiro naturalizado, processado por envolvimento em de drogas.

Com informações da Agência Câmara / Foto: Lucio Bernardo Jr. / Câmara dos Deputados