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“Sempre fomos proibidos de existir, mas nos proibimos de desistir”

“Sempre fomos proibidos de existir, mas nos proibimos de desistir”
26 de outubro de 2018 zweiarts

Thainã, durante sua visita ao Centro de Promoção da Criança e do Adolescente, na Lomba do Pinheiro, em Porto Alegre. Ele é museólogo e jornalista, nascido e criado na Penha, e mora no Complexo do Alemão (RJ). 

Enquanto a chamada “guerra às drogas” continua resultando na morte um grande número de jovens das favelas e periferias, especialmente negros, como também na morte de agentes de segurança, em incessantes conflitos pelo domínio de territórios, a discussão sobre uma política das drogas exclui as maiores interessadas – justamente estas comunidades as comunidades atingidas.

Nessa perspectiva, surgiu o Movimentos: drogas-juventude-favela, do Rio de Janeiro, criado por diferentes coletivos, para demarcar a necessidade de que a construção de uma nova política de drogas para o país tenha a participação de quem mais sofre e quem mais morre.

“A guerra às drogas afeta o nosso cotidiano, escolas são fechadas, as pessoas têm medo de sair de casa, têm medo pelas famílias, crianças são assassinadas. Em nome dessa guerra, o Estado justifica uma série de violações de direitos”, disse Thainã de Medeiros, integrante do Movimentos e diretor do Coletivo Papo Reto, também do Rio de Janeiro.

Thainã veio a Porto Alegre a convite da Fundação Luterana de Diaconia, para participar do Café com Direitos das Juventudes Negras, no dia 24 de outubro, e visitar grupos e organizações locais que desenvolvem atividades com juventudes. A proposta é trazer o debate e a discussão entre organizações parceiras, coletivos e movimentos sociais, buscando fortalecimento das redes.

As visitas aconteceram entre os dias 22 e 26, no Centro de Promoção da Criança e do Adolescente (CPCA), na Lomba do Pinheiro, na Ação Comunitária Participativa (Acompar) do bairro Rubem Berta, no Mídia Di Vila, no Bairro Mário Quintana, na Associação Isaura Maia, no bairro Tancredo Neves em São Leopoldo, e no Centro de Defesa de Direitos Humanos e Fórum Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (Proame), também em São Leopoldo. Além disso, antes do Café com Direitos, teve um encontro com integrantes do Levante Popular da Juventude.

FLD: Qual a proposta da tua vinda a Porto Alegre?

Thainã de Medeiros: Além de participar do Café com Direitos das Juventudes – que já é um espaço informal que permite a construção de redes, vim a convite da FLD para conhecer um pouco da realidade da periferia de Porto Alegre, conhecer os jovens daqui e ver em que tipo de projetos estão envolvidas e envolvidos.

A realidade é muito parecida com a que temos no Rio de Janeiro. Diferentes facções do tráfico no mesmo espaço, ação da polícia, e as pessoas da comunidade no meio disso tudo. Muito medo, muitos jovens reproduzindo discursos de violência, sem perceber que falam contra si próprios. Um dos participantes da conversa no Centro de Promoção da Criança e do Adolescente (CPCA) contou que havia sofrido sete tiros – e mostrou as cicatrizes –. Relatos de amigas, amigos e familiares perdidos para a guerra do tráfico.

Mas vi muita abertura para entender a proposta que estamos trabalhando no Rio, de uma política de drogas restaurativa, onde a favela, que sempre foi e é palco da violência, seja compensada com investimentos na área social e em educação, por exemplo.

FLD: Como funciona uma política restaurativa? 

Thainã de Medeiros: Drogas que tem uso permitido matam muito mais do que drogas consideradas ilícitas. Noventa e seis por cento das mortes em decorrência do uso de drogas são causadas pelo álcool, tabaco e medicação de uso controlado, enquanto o percentual de drogas consideradas ilegais alcança 4% (http://www.movimentos.org.br/publicacoes). Ontem (dia 23), recebi por whats a notícia de que quatro pessoas foram mortas em tiroteio da polícia. Nesse mesmo dia, não houve nenhuma morte causada pelo uso de drogas. Isso é constante. E essas pessoas que morrem são pessoas trabalhadoras, crianças a caminho da escola.

Proibindo ou não proibindo, sempre haverá usuários de drogas, muitos das classes média e alta – que entram e saem para comprar sem nenhum perigo. Quem paga o preço sempre é a favela. Se esse mercado fosse regulado, com empresas vendendo de forma lícita, a guerra poderia parar. Ao mesmo tempo, um percentual do lucro dessas empresas deveria voltar como investimento nas comunidades, que há anos vêm sendo destruídas.

FLD: Como foi teu tempo em Porto Alegre?

Thainã de Medeiros: Foram muitas atividades, ainda estou processando o que ouvi e vi. Foi sensacional conversar com os grupos de jovens, que estavam sempre em grande número. Às vezes a gente mesmo percebe que tem dificuldade para ouvir, então, trabalhar com a juventude ajuda a desconstruir e a reconstruir pensamentos e ideias. Existe muito conteúdo no que dizem e escutar e trocar é fundamental.

Gostei muito de conhecer o Mídia Di Vila, no bairro Mário Quintana, que trabalha com comunicação audiovisual, e que dialoga diretamente conosco, do Papo Reto. Com pouquíssimos recursos, criaram um estúdio, onde gravam e divulgam músicas de pessoas da comunidade. O Mário (Marques), do Mídia, contou que algumas vezes as pessoas vão até lá, pedem para colocar sua música e correm para casa, para ouvir.

Outra coisa que ele relatou é que existem jovens que nunca saíram dali. Só conhecem aquela realidade. Há alguns anos, por meio de um edital descoberto por acaso, Mário e um grupo de meninos mandou um projeto para contar sobre o que faziam na comunidade. Foram selecionados para ir para a China! Isso diz muita coisa. Os moleques voltaram de lá com uma bagagem muito mais forte, muito mais potente, com muita vontade de fazer coisas. Um deles trabalha atualmente como sushiman em Porto Alegre, imagina que loucura.

Esse tipo de coisa é que muda a realidade da favela, e não uma guerra.

FLD: Tens alguma palavra para os coletivos, frente à instauração de um projeto político de desconstrução de direitos? 

Thainã de Medeiros: Nesse momento, depois dessa, já estamos apreensivos com o que está pra vir, com esse candidato eleito que faz abertamente discursos de ódio contra as minorias e para quem pensa diferente. Precisamos lembrar que as minorias, na verdade, não são minorias – a maioria do Brasil é pobre, a maioria do Brasil já sofreu na pele violações de direitos – já enfrentamos isso antes, quase 300 anos de escravidão e mais de 500 anos de políticas públicas que não nos levam em consideração.

Tem uma frase da Conceição Evaristo, que está sendo bastante usada, que diz que eles combinaram de nos matar e nós combinamos de não morrer. E não é só a morte do nosso corpo, mas a morte das nossas ideias. A gente tem mantido essa combinação.

Nós, que sempre fomos proibidos de existir, nos proibimos de desistir. Não temos alternativa a não ser seguir em frente, contando com as pessoas que estão do nosso lado, entender quem são, e escutá-las e ficarmos juntas e juntos.

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