Parentes de pessoas hospitalizadas ou em tratamento domiciliar devido à infecção por coronavírus compram oxigênio de empresa privada em Manaus – Foto: Bruno Kelly/Reuters
O documento contou com revisão e contribuição do P. Júlio Cesar Schweickardt (IECLB), servidor da Fiocruz, que atuou como ministro na Comunidade de Manaus (AM)e na Comissão de Projetos da Fundação Luterana de Diaconia.
Na última quinta-feira, dia 28 de janeiro de 2021, a Fundação Luterana de Diaconia (FLD), junto com outras entidades religiosas, como o Conselho Nacional de Igrejas Cristãs no Brasil (CONIC), o Conselho Indigenista Missionário (CIMI) e a Comissão Especial para a Ecologia Integral e Mineração da CNBB, entregaram ao Alto Comissariado da ONU para Direitos Humanos uma denúncia alertando que a pandemia no país é alimentada por uma conduta política, econômica e social contraditória, negacionista, indiferente à dor e que está amplificando as profundas desigualdades.
Conforme apresentado no documento, a cada dez pessoas que morrem por COVID-19 no mundo, uma é do Brasil. “Mais uma vez, o grito de socorro se faz mais alto na Amazônia, onde a onda de contaminação está desenhando cenários de indizível degradação e total desrespeito da dignidade humana.”
A orientação política do governo federal em relação à pandemia foi assumida pelos governos municipal de Manaus e do Estado do Amazonas. Sob o argumento de “salvar a economia” não ocorreram medidas efetivas para a conter a disseminação da Covid-19 na região. O resultado foi 945 óbitos por Coronavírus na capital nos primeiros 20 dias deste ano, quase a mesma quantidade do que a somatória de mortes por COVID-19 entre agosto (início da segunda onda) e dezembro de 2020. A principal causa de tantas mortes foi a falta de oxigênio nos hospitais e a frágil estrutura hospitalar.
A denúncia também evidencia que a emergência de hoje é resultado de escolhas políticas realizadas no passado. “A Lei de Teto de Gastos, por exemplo, dificulta o investimento público e contribui para o aumento das desigualdades com a privatização de serviços essenciais para o desenvolvimento econômico, como o saneamento básico, educação e saúde. As populações mais afetadas por esta opção política são as pessoas negras e indígenas, fortalecendo assim o racismo estrutural de nossa sociedade.”
Outro ponto de destaque é a investigação realizada pela Faculdade de Saúde Pública da USP e pela Conectas Direitos Humanos (divulgada no dia 21 de janeiro, pelo EL PAÍS), que mostra que a grande proliferação e as mortes por Covid-19 não resultam apenas da incompetência ou da falta de condições econômicas e de estrutura pública de saúde. “Este estudo indica que, sob o argumento da retomada da atividade econômica a qualquer custo, há o empenho da União em favor da disseminação do vírus em território nacional. A análise detalhada das decisões do governo, em relação à pandemia, revela uma estratégia de propaganda contra a saúde pública, um discurso político que mobiliza argumentos econômicos, ideológicos e morais. Faz-se amplo uso de notícias falsas e informações técnicas sem comprovação científica, com o propósito de desacreditar as autoridades sanitárias, enfraquecer a adesão popular às recomendações de saúde baseadas em evidências científicas e promover o ativismo político contra as medidas de saúde pública necessárias para conter o avanço da covid-19.”
O documento finaliza apoiando os mais de 60 pedidos de impeachment do Presidente da República pelos crimes de responsabilidades com respeito às políticas de saúde pública em tempo de pandemia. LEIA NA ÍNTEGRA.
A denúncia repercutiu entre colunistas brasileiras e brasileiros, tendo sido divulgada na coluna Bispos denunciam Bolsonaro na ONU e na OMS por gestão da pandemia, de Jamil Chade/ UOL, e na coluna “O que significa cuidar de um filho numa pandemia?”, de Eliane Brum/El País.
O texto de Eliane, que inicia questionando os efeitos do isolamento social sobre bebês, crianças e adolescentes, também provoca sobre a reabertura das escolas físicas. “A frase “não podemos continuar mais um ano com as escolas fechadas” é equivocada. As escolhas de saúde pública, assim como as da vida, não são apenas uma questão de vontade, mas de responsabilidade e de estratégia. O que não podemos é continuar mais um ano com um presidente que dissemina o vírus, o que não podemos é continuar mais um ano com uma das polícias que mais matam no mundo, o que não podemos é continuar mais um ano com criminosos destruindo impunemente a Amazônia. Essas são situações criadas pela sociedade que estão matando a sociedade e que podem e devem ser mudadas por ela.”
O tema também foi abordado em carta divulgada pela Rede de Diaconia no final de 2020. A articulação, que reúne instituições diaconais ligadas à Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB), afirma que a suspensão das atividades presenciais foi um duro golpe, mas que muito rapidamente um processo de reinvenção teve início, com ações diaconais respondendo às necessidades colocadas pelo novo contexto. “Os cuidados com a vida das pessoas mais duramente atingidas pelos efeitos da pandemia se tornaram o foco. Com o apoio das comunidades luteranas e da sociedade civil, as instituições diaconais protagonizaram um intenso movimento pela garantia de acesso ao mínimo de segurança, tanto alimentar como de higiene, pelas famílias mais vulneráveis.” […] “Atuar para que a vida com dignidade esteja acima de qualquer interesse é a missão que abraçamos na caminhada diaconal transformadora.” LEIA AQUI.
Eliane também chama atenção para as evidentes consequências da má gestão pública da pandemia, como é o caso do Brasil. “A pior delas está exposta diariamente nas covas abertas para abrigar os mortos: atualmente, mais de 1.000 por dia, e quase 230.000 no total.” E menciona a denúncia: “Um grupo de entidades religiosas, entre elas a CNBB e a Fundação Luterana de Diaconia, fizeram uma denúncia baseada no estudo junto ao Alto Comissariado da ONU para Direitos Humanos na semana passada. Relacionadas à covid-19, há pelo menos três comunicações por genocídio e outros crimes contra a humanidade cometidos por Bolsonaro e membros do Governo no Tribunal Penal Internacional.”