POR FLD
Em maio de 2024, o estado do Rio Grande do Sul, localizado no extremo sul do Brasil, sofreu sua maior tragédia climática da história. O primeiro alerta vermelho foi emitido pelo Instituto Nacional de Meteorologia do Brasil no dia 29 de abril, indicando uma previsão de grande volume de chuvas e perigo extremo para a população. Poucos dias depois, em 10 de maio, já eram mais de 2 milhões de pessoas afetadas, em 446 municípios – quase 90% dos municípios do Rio Grande do Sul. Neste cenário, a FLD, integrante da Aliança ACT, e o Fórum Ecumênico ACT Brasil executaram um projeto do Fundo de Resposta Rápida de ACT, atendendo as necessidades urgentes de populações vulneráveis – comunidades indígenas, comunidades kilombolas, catadoras e catadores de materiais recicláveis, famílias agroecologistas e empreendimentos da economia solidária.
“Naquele 4 de maio, chovia muito, se escutava que tinha muita água, mas quase ninguém acreditava que iria ser naquela proporção”, contou Eva Eloi Dornelles de Lacerda, 65 anos, moradora em Canoas, uma das cidades mais atingidas na região metropolitana de Porto Alegre, capital do estado do Rio Grande do Sul. “Muitas pessoas ficaram nas suas casas e depois tiveram que ser resgatadas. Eu consegui sair daqui no tempo certo. Mas perdi praticamente tudo. Minha casa teve água até o teto. Perdi móveis, equipamentos, utensílios, e também fotos, minhas lembranças, talvez o que mais me entristece”.
Eva faz parte da Cooperativa Vida Saudável, um empreendimento de economia popular solidária vinculado à Rede de Comércio Justo e Solidário da Fundação Luterana de Diaconia (FLD). A cooperativa, que produzia pães e bolachas, teve sua cozinha e padaria, que ficavam nos fundos da casa de Eva, inundadas. As mulheres do grupo ficaram sem possibilidade de produzir e gerar renda. “Perdemos nossas casas e nosso local de trabalho. A vida parou”, disse Eva.
Os públicos mais afetados são aqueles com os quais a FLD trabalha: empreendimentos da Economia Solidária, catadoras e catadores de materiais recicláveis, povos e comunidades tradicionais, como indígenas e kilombolas, e famílias produtoras agroecologistas. Mesmo para quem não perdeu tudo, a situação alimentar, que já era difícil, piorou. Os alimentos ficaram mais caros. Os danos às lavouras afetaram diretamente a agricultura familiar e o reabastecimento a médio e longo prazo. A dificuldade logística combinada com menor oferta de alimentos agravou o impacto da tragédia nas famílias em situação de vulnerabilidade.
Aliança ACT – A FLD passou a atuar de diversas maneiras no apoio às pessoas e comunidades atingidas pelas enchentes. Uma das ações foi o encaminhamento de um projeto ao Fundo de Resposta Rápida da Aliança ACT, por meio do Fórum Ecumênico ACT Brasil. Aprovado, o projeto foi realizado por meio do Programa de Pequenos Projetos da FLD, com a transferência de recursos para grupos.
O projeto possibilitou a entrega de cestas de alimentos, kits de higiene e limpeza e vale-gás (para cozinhar) para 590 famílias, beneficiando diretamente 2.053 pessoas das regiões Metropolitana de Porto Alegre, Vale dos Sinos e Vale do Rio Pardo, que foram as mais atingidas do estado.
“Estamos juntas!”
“Foi um momento de desespero. Minha filha, de 4 anos, ficou muito assustada. Tive que acordar ela de madrugada, deixar com os vizinhos para conseguir salvar algumas coisas de dentro de casa. Perdemos móveis, roupas, sapatos, pela água e pelo barro preto, malcheiroso, não teve como limpar. A creche da minha menina também sofreu, então eu conseguia trabalhar só um turno, pra ficar com ela. Agora que a gente está se reerguendo. A gente precisa retomar o trabalho. Justamente por isso, as doações da FLD, do projeto ACT, foram fundamentais”, afirmou Jéssica Santos de Borba, anos, catadora da Cooperativa de Catadores de Material Reciclável de Rio Pardo (Cocamarp)
“Às vezes é tão difícil conseguir ajuda, muita burocracia que atrapalha, parece que pras outras pessoas a comida e as coisas básicas não significam nada. Mas pra nós, até esse ‘básico’ é difícil, e foi difícil especialmente nesse momento das chuvas. Então, ser mãe e sair pra luta sabendo que tem comida na mesa e tem coisas no armário e que nossos filhos vão estar de barriga cheia faz toda a diferença. Temos uma grande admiração pela FLD, a gente tá tendo por cada uma de vocês, a gente vê que a luta de vocês é pelas mulheres mesmo, pelo povo, que nem nós. Estamos juntas!”, lembrou Stefani Guedes de Aiedo, catadora da SDV Reciclando de Porto Alegre, em Porto Alegre. A cooperativa também trabalha o apoio a mulheres que sofrem violência doméstica.
Construindo uma rede – Um dos critérios definidos pela FLD para a aquisição de produtos foi que esses viessem de grupos da agricultura familiar ecológica e de empreendimentos da Economia Solidária. Outros produtos foram comprados em supermercados locais, como forma de apoiar a recuperação dos pequenos comércios.
As cestas de alimentos continham legumes e frutas, proteína animal, como ovos, frango e sardinha, e pães e bolachas. Elas foram preparadas atendendo a cultura alimentar de cada público.
Nos kits de higiene e limpeza, havia produtos da Cooperativa Mundo Mais Limpo, um empreendimento de mulheres da economia solidária que transforma óleo de cozinha reciclado em produtos de limpeza.
As cestas foram distribuídas da seguinte maneira:
- 152 famílias de sete comunidades indígenas – seis comunidades do povo Guarani Mbya e uma comunidade do povo Kaingang, na região do Vale do Rio Pardo;
- 106 famílias de três comunidades kilombolas na região do Vale do Rio Pardo;
- 12 famílias de agricultura familiar agroecológica na região do Vale do Rio Pardo;
- 202 famílias de dez cooperativas e associações de catadoras e catadores de materiais recicláveis nas regiões Metropolitana de Porto Alegre, Vale do Rio Pardo e Vale dos Sinos;
- 118 famílias de 31 empreendimentos econômicos solidários das regiões Metropolitana de Porto Alegre e Vale dos Sinos.
O vale-gás (para cozinhar) foi entregue para famílias de catadoras de materiais recicláveis e da economia solidária das regiões Metropolitana de Porto Alegre e Vale dos Sinos.
As entregas acontecem nos meses de julho a outubro de 2024, cada família recebeu três cestas de alimentos e dois kits de higiene e limpeza.
Apoio psicossocial de base comunitária
O projeto também promoveu quatro encontros de apoio psicossocial de base comunitária com mulheres dos empreendimentos econômicos solidários das regiões Metropolitana de Porto Alegre e Vale dos Sinos. Os encontros fortaleceram a esperança e as capacidades de recuperação e resiliência na comunidade para criar mudanças duradouras nos contextos locais afetados pela emergência.