
Por Assessoria de Comunicação FLD
Fotos: Fábio Conterno
No Tekoha Guarani, no município de Guaíra, oeste do Paraná, na Casa de Reza, onde a espiritualidade se entrelaça com a materialidade, renasce a cada ano um ritual ancestral: o Nhemongarai das Sementes. Mais do que uma cerimônia, é um ato de resistência cultural, um lembrete da profunda conexão entre o povo indígena e a terra. Através de cantos, danças e orações, a comunidade Guarani celebra a vida, a fertilidade e a esperança de um futuro em harmonia com a natureza.
O Nhemongarai, palavra que pode ser entendida como “batismo” na língua Guarani, é um dos pilares da espiritualidade desse povo, um dos mais antigos e resilientes da América do Sul. Presentes no Brasil, Paraguai e Argentina, as pessoas Guarani mantêm viva uma tradição milenar que honra Nhanderu, a divindade criadora, e os espíritos da natureza. A cerimônia é realizada para abençoar e purificar a terra antes do plantio, pedindo permissão às guardiãs e aos guardiões da floresta e garantindo uma colheita próspera.
A cerimônia: um elo entre o sagrado e o cotidiano
O Nhemongarai é conduzido por xamõis, “lideranças espirituais”, e envolve toda a comunidade. As crianças, pintadas com tintas naturais feitas de urucum, são protagonistas desse ritual de passagem. Elas aprendem sobre seu papel na comunidade, os valores ancestrais e a responsabilidade de cuidar da terra. As sementes, abençoadas durante a cerimônia, são mais do que um insumo agrícola: são símbolos de resistência e identidade.
Cada semente carrega consigo histórias e saberes transmitidos por gerações. O avati, uma variedade de milho originária do povo Guarani, é um exemplo dessa riqueza. Como explica Eugenio Guarani, professor e liderança espiritual, “quem nos deixou essa semente era uma linda menina, para nós Guarani, e ela está sempre viva. Que nossa semente mantenha sempre viva e forte nossa Tekoha (modo de ser e território). Que nos alimente e que nos dê força. Esse é o significado do batismo para nós”.
A conexão com a natureza e a agroecologia
Para o povo Guarani, a terra não é um mero recurso, mas uma extensão de seu ser. As práticas ecológicas cultivadas pelas comunidades é um reflexo de sua cosmovisão, que veem a natureza como um organismo vivo e sagrado. O Nhemongarai reforça esse compromisso, celebrando a biodiversidade e os ciclos naturais. Assim, as pessoas Guarani preservam variedades de sementes tradicionais, garantindo a continuidade de espécies que estão desaparecendo.
Desafios e resistência
O Nhemongarai, no entanto, não ocorre sem obstáculos. A perda de territórios, a degradação ambiental e a pressão do agronegócio ameaçam a sobrevivência das tradições Guarani. A expansão das fronteiras agrícolas sobre áreas indígenas tem fragmentado o Tekoha, o espaço vital onde se desenrolam a cultura e a espiritualidade desse povo.
Ainda assim, a cerimônia persiste como um ato de resistência. Cada semente abençoada é um protesto silencioso contra a monocultura e um chamado para a preservação da biodiversidade. “Enquanto houver sementes, haverá esperança”, dizem as pessoas mais velhas.
Um chamado para o futuro
O Nhemongarai das Sementes transcende as comunidades Guarani. É um lembrete poderoso para toda a sociedade sobre a importância de preservar a biodiversidade e respeitar os saberes tradicionais. Enquanto o povo Guarani segue celebrando suas sementes e tradições, cabe a todas e todos nós aprendermos com seu exemplo e assumir nossa parte na construção de um futuro mais sustentável e justo.
Nas palavras de Eugenio Guarani, “a semente é vida, é memória, é futuro”. E, enquanto o canto de xamõis ecoar nas matas, a ancestralidade Guarani seguirá viva, enraizada na terra e no coração de seu povo.