“Ponha esta mulher para fora daqui e tranque a porta”. 2 Samuel 13.17
Tamar integra a genealogia de Jesus. Foi estuprada, mandada embora e portas foram fechadas. Tamar está entre nós, nas meninas, adolescentes, na vida de todas as mulheres cujos corpos permanecem controlados pela força da violência, do julgamento e do silenciamento patriarcais.
Mais uma vez, o mundo se movimenta para controlar o corpo das mulheres e meninas e estupradas e grávidas em decorrência da violência misógina. Não valem nem a invocação de seu direito à interrupção de uma gravidez ou à entrega de uma criança recém nascida para a adoção.
No Brasil, uma menina de 10 anos foi vítima de estupro e de uma gravidez, revitimizada pelo Judiciário e pelo fundamentalismo religioso, enviada para um abrigo e lá trancada para manter uma gravidez fruto da violência do patriarcado.
Uma jovem atriz, vítima de estupro e que colocou o bebê para adoção, tem o sigilo do processo violado dentro do hospital que deveria proteger, por força da lei, a sua privacidade. A mídia patriarcalizada promove uma exposição condenatória pública, mais uma vez. É mais uma mulher julgada e condenada. Quantas portas fechadas e pedras nas mãos.
São cruéis as manifestações de julgamento religioso e moral. O direito à interrupção da gravidez legal foi cerceado em alguns estados dos EUA, com a revisão do caso Roe vs Wade. Esta decisão coloca em maior vulnerabilidade as mulheres migrantes, negras e latinas.
O governo brasileiro criou um manual que incentiva a investigação de vítimas de estupro que tentam acessar a interrupção legal da gravidez. Até quando o estado, a igreja e os estupradores continuarão controlando e violentando a vida das mulheres? Quem está verdadeiramente defendendo a vida?
Os corpos das mulheres são vistos como propriedade do estado, da igreja e da sociedade. Homens brancos, heteros e cristãos, em sua maioria, controlam e estupram a infância, a adolescência e o futuro de muitas mulheres. E depois seguem suas vidas, fechando e trancando suas portas de poder. No livro de Êxodo (23.2), encontramos uma passagem que fala a respeito da justiça: “Não siga a maioria, quando ela faz o que é errado e não dê testemunho falso para ajudar a maioria a torcer a justiça.”
Como pessoas religiosas devemos lutar pela integridade da criação, mas também pela integridade dos nossos atos, ampliando este alcance para o cuidado físico, psicológico, social e espiritual das pessoas, em especial das mulheres. A questão não é o que é certo ou errado. A questão é: a quem cabe decidir e julgar?
Que o corpo e a alma das mulheres continuem sendo espaço de insurgência e rebeldia contra o sistema que teima em tentar nos controlar!
“…. Um homem não te define
Sua casa não te define
Sua carne não te define (você é seu próprio lar)…”
Composição: Sebástian Piracés-Ugarte / Rafael Gomes / Mateo Piracés-Ugarte / Andrei Martinez Kozyreff / Juliana Strassacapa