POR ASSESSORIA DE COMUNICAÇÃO DA FLD
“Esta inauguração é símbolo de resistência, ferramenta de enfrentamento ao racismo através da educação e do diálogo”, salientou Juliana Soares, coordenadora do Programa de Educação Antirracista da Fundação Luterana de Diaconia (FLD), durante evento de abertura oficial do seu espaço físico, na tarde de ontem em Pelotas (RS).
O ato de inauguração contou com a participação de cerca de 120 pessoas, na maioria mulheres kilombolas, representantes de comunidades indígenas da região, além de diversas pessoas do poder público, de movimentos sociais e de entidades parceiras do trabalho realizado pela FLD na região. A atividade aconteceu no centro da cidade, com apresentação cultural do Grupo de Capoeira Filhos da Roda e exposição de artesanato indígena e kilombola.
De acordo com Mariglei Dias, representante do Comitê dos Povos e Comunidades Tradicionais do Pampa, inaugurar esse espaço é muito significativo pela história de contribuição que os povos tradicionais tiveram na construção e no desenvolvimento de toda a região. “As mulheres negras ainda são invisibilizadas e enxergadas apenas como mão–de-obra e estar aqui, na cidade de Pelotas, com as charqueadas, e não é diferente da fronteira, que foi organizada a partir da escravatura e das sesmarias, é muito significativo, porque ainda dói na gente estar na frente desses casarões, lugar de tanto sofrimento para os nossos antepassados”, disse emocionada.
O Programa de Educação Antirracista, criado recentemente dentro da instituição, tem por objetivo refletir sobre a equidade racial, contribuindo para a desconstrução do mito da democracia racial, e promover avanços no enfrentamento ao racismo por meio de ações formativas de educação antirracista. Camila Puruborá, mulher indígena e assessora de projetos da FLD, salientou que é preciso somar forças para ser possível romper barreiras. “Os povos kilombolas, pretos e indígenas há muito tempo tem se estruturado e isso é muito importante, porque entendemos que é junto que vamos conseguir chegar nos espaços e é junto que vamos conseguir romper as barreiras”, completa.
Assim, a inauguração de um espaço físico marca o compromisso da instituição com a superação de preconceitos e a busca por vida digna de todas as pessoas, com foco principal em povos negros e indígenas. “Hoje estamos inaugurando o espaço do Programa de Educação Antirracista com essa consciência de quem somos, do nosso racismo, daquilo que nós precisamos movimentar junto com os povos e comunidades tradicionais para que, de fato, consigamos fazer aquilo que é imprescindível, que é o enfrentamento ao racismo e não aquilo que é fácil, não aquilo que é confortável para um conjunto de organizações da sociedade civil, do movimento social, ainda majoritariamente brancas, que se defendem”, disse Cibele Kuss, secretária executiva da FLD, durante a inauguração.
Jozileia Kaingang, mulher indígena do povo Kaingang e atual diretora executiva da Articulação Nacional das Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade (Anmiga), salientou a importância do espaço para promover a mudança social necessária para o Brasil. “Inaugurar um espaço como esse dá significado a essa luta, é realmente fazer o enfrentamento, é realmente se colocar à disposição desses grupos étnicos que foram historicamente manuseados para o bem estar da população que aqui chegou, de quem veio além-mar, mas também para poder enfrentar e mudar a sociedade. Essa mudança social que nós precisamos fazer”, disse Jozileia.
Assim também Daniela Brizolara, vice-prefeita de Pelotas, salientou que os esforços conjuntos e a resistência dos povos tradicionais é pauta que precisa ser construída em conjunto. “A luta contra o racismo é um debate muito caro. Quando Pelotas pode ter esse espaço para que nós possamos, para além das discussões, fazer o enfrentamento de fato, é um momento que é pra ser celebrado. E, enquanto poder executivo, eu tenho que agradecer a essa iniciativa, a todas as pessoas que fazem parte dessa organização, porque a organização não é só um momento para que as portas se abram, mas esse é um trabalho de resistência, o nosso povo é de resistência”, salienta Daniela.
Os povos negros e indígenas enfrentam no Brasil desigualdades estruturais que resultam em diversos problemas, como acesso limitado a serviços públicos, oportunidades de emprego e educação, além de discriminação e violências de vários tipos. A pobreza e o desemprego são mais comuns entre esses grupos, assim como maiores dificuldades de acesso à saúde e serviços básicos. Mesmo desempenhando papéis essenciais, contribuindo para a formação cultural, social, econômica e política do país, esses povos têm sofrido com o racismo ao longo dos séculos.
Os povos indígenas, como povos originários, influenciaram e influenciam a cultura brasileira com a sua forma de organização social e contribuem na construção de conhecimentos, do idioma, da culinária, da música, da dança, da cultura e na preservação ambiental. Já os povos negros, trazidos como pessoas escravizadas, contribuíram fortemente com sua força de trabalho em diversas áreas, além de influenciarem a culinária, a música, a religião, a própria linguagem do Brasil, e na construção de conhecimentos diversos.
“Ter este programa e inaugurar o espaço é fazer o enfrentamento ao racismo e trabalhar formação na perspectiva negra e indígena, na medida que a gente consiga dialogar com a sociedade para que as pessoas entendam que, sim, somos diferentes, sim pensamos de formas diferentes, sim nos relacionamos de maneiras diferentes, entendemos o território e o ambiente de forma diferente, mas todos nós estamos aqui, nesse lugar chamado Brasil e a gente contribuiu ao longo da história para construir esse lugar e não é justo que as nossas epistemologias, culturas e conhecimentos todos os dias sejam ceifados, todos os dias, de alguma maneira, sejam encarcerados em algum lugar e, nesse sentido, queremos trabalhar para libertar esse conhecimento”, salientou Juliana Soares, coordenadora do programa.
Lançamento de publicação
Junto à inauguração do espaço do Programa de Educação Antirracista, foi feito o lançamento da publicação ‘Diálogos Interétnicos: Ancestralidades e/m Resistência’. O caderno faz parte do material da Semana dos Povos Indígenas, produzido há mais de 20 anos pela FLD, por meio do Programa COMIN, e que, a partir desta edição, amplia sua abrangência de conteúdo para a realidade e diversidade dos povos indígenas e negros, sua história, cultura e modos de vida, auxiliando na construção do conhecimento para a superação do racismo contra essas pessoas. Além de ter protagonismo de autoras e autores indígenas, pela primeira vez o material conta também com autoria negra.
No caderno, povos indígenas e negros se encontram com suas ancestralidades e conectam tempos de existências e re-existências na busca por trocas e fortalecimento de suas lutas, como estratégia de sobrevivência. Em torno da fogueira, Indiara Tainan Passos dos Santos, mulher negra de Axé, e Walderes Coctá Priprá, mulher indígena do povo Lakãnõ, conversam sobre o que ajudou estes povos a manterem suas tradições, crenças e línguas vivas através dos tempos até a atualidade, iniciando uma jornada para iluminar, propor e pensar caminhos possíveis ao contemplar a sabedoria daquelas e daqueles que resistiram, compreendendo a responsabilidade que fica para cada uma e cada um de nós, para com a terra, a vida e o planeta.
“O caderno vem falando sobre as ancestralidades em resistência e nos ajudando a pensar nesse encontro maravilhoso entre uma mulher indígena e uma mulher negra e vem desbravando espaços e mostrando para os seus, para os que ficaram nos territórios o quanto nós somos potentes, o quanto temos capacidades, desde que a gente nunca esqueça de onde a gente veio”, disse Indiara Tainam Passos dos Santos, uma das autoras do caderno, durante o lançamento.
O material, com distribuição gratuita, é direcionado principalmente para docentes, como recurso de reflexão e discussão sobre a temática indígena e negra, construída com e a partir da perspectiva desses povos.
O ato de inauguração contou com a participação de cerca de 120 pessoas, na maioria kilombolas, representantes de comunidades indígenas da região, além de diversas pessoas do poder público, de movimentos sociais e de entidades parceiras do trabalho realizado pela FLD na região.

Foto: Rocheli Wachholz/FLD
*Optamos por escrever kilombolas com “k” para dar protagonismo aos idiomas originários das palavras (povos africanos).