Passada a realização da Expocatador – um dos maiores encontros focados no desenvolvimento sustentável inclusivo –, três lideranças do Movimento Nacional de Catadores de Materiais Recicláveis (MNCR) analisam os resultados e falam sobre alguns indicativos para o futuro.
A entrevista com as lideranças Alex Cardoso, Irineide Lima e Roberto Rocha foi feita por Antônio Coquito/Comunicação do Insea e publicada pelo MNCR em 15 de janeiro.
Ganhos da EXPO 2013
De 18 a 20 de dezembro, São Paulo (Parque de Exposições do Anhembi) sediou Expo Catadores 2013 – um dos maiores encontros focado no desenvolvimento sustentável inclusivo. Reunindo cerca de 8 mil pessoas – catadores brasileiros, latino-americanos, caribenhos asiáticos, africanos e europeus; especialistas e pesquisadores em gestão de resíduos sólidos, representantes do poder público, empresas e acadêmicos – o evento consagrou-se como uma atividade aglutinadora dos debates do reconhecimento e valorização do trabalho do catador na gestão de resíduos.
A Expo pautou debates temáticos em conferências, painéis, oficinas e mesas redondas. Análises de cenários como os da política nacional de gestão de resíduos (PNRS), a logística reversa e os acordos intersertoriais, a prestação de serviços da coleta seletiva, os negócios sustentáveis na gestão de resíduos, o panorama do mercado da reciclagem no Brasil, o papel das redes de comercialização no mercado da indústria da reciclagem, gênero e diversidade sexual no universo da catação, a promoção da inclusão de catadores de rua e lixões nas organizações de catadores, dentre outras, tomaram conta das discussões.
Para Alex Cardoso, catador e liderança do MNCR, um importante marco da Expo 2013 foi o debate em torno da popularização da reciclagem. “Conseguirmos emplacar as discussões políticas da reciclagem popular”, enfatiza. No evento, o tema ganhou força e adesão, no discurso da presidenta Dilma durante o encontro com as/os catadores e a população de rua. A Expo traz maior visibilidade do conceito da reciclagem popular.
Alex afirma que há muito anos, os catadores vêm trabalhando nesta discussão. “Aqui, conseguimos trabalhar nas oficinas, nos trabalhos e nos vários momentos para que catadores com catadores, catadores com governos e todos os atores que articulam a gestão dos resíduos assumam este compromisso”, argumenta.
O catador pontua que “é hora do mercado da reciclagem compreender e assumir o conceito na prática”. Para ele, “cada um dos setores da sociedade têm os fragmentos da reciclagem popular. O que precisamos é integrar e criar o modelo”.
A catadora Irineide Lima, da coordenação do MNCR na Amazônia Legal , analisa que um grande significado do evento é a consolidação política da coleta seletiva e da valorização dos catadores. “Saímos daqui com a certeza de que a Expo vem para fortalecer a integração e a nossa força. Fazemos as coisas com a cara e coragem no norte do Brasil. Falta apoio e ainda não temos a valorização necessária”, afirma.
“É possível fazer coleta seletiva com eficiência e com o catador” admite Roberto Rocha, da coordenação do MNCR em São Paulo (SP), como a questão central dos debates da Expo. Os gestores das políticas de resíduos precisam assumir a coleta com a contratação das associações e cooperativas em todo o Brasil. Roberto considera que este ganho será resultado da “força articuladora dos catadores, junto aos parceiros, apreendendo todas as ferramentas tecnológicas e educacionais de gestão de resíduos que precisam ser absorvidas”.
Novas bandeiras
Analisando a caminhada do MNCR na causa dos catadores, Alex considera ser necessário assumir novas bandeiras. “Até hoje, o movimento buscou reafirmação, reconhecimento e bases legais. Estamos passando deste ciclo, que se fechou na PNRS”, explica.
O catador do Rio Grande do Sul sugere que catadores agora precisam “levantar a bandeira no campo econômico, na gestão de negócios e na prestação de serviços”. E classifica “temos que sair da condição de associação que necessita de assistencialismo, para uma condição de gestores e prestadores de serviços à sociedade”. Alex é efusivo “é hora de sairmos do campo do marco legal para o campo do marco econômico”.
Embasando na economia solidária, e na defesa da vida, Irineide defende ser necessário que o MNCR e todos os catadores e parceiros reafirmem as bandeiras do companheirismo e da cooperação. “A solidariedade é um grande marco da Expo, que une e deve mover o Movimento e cada um de nós. Ela é o sentido de existir das associações e cooperativas”, afirma.
Na avaliação de Roberto, o pagamento pelo serviço prestado aos catadores é a grande bandeira a ser defendida pelo MNCR. “As tecnologias geram custo e só coletar material e vender, não garante nossa sobrevivência.”
Brasil e articulação latino-americana
A Expo deixou claro o papel do Brasil, através do MNCR, como importante fomentador da integração latino-americana. Irineide analisa “a nossa articulação e diálogo com outros países é um elemento positivo para os ganhos políticos e nas trocas de experiências”.
Alex relembra que “o avanço na política continental é resultado de uma articulação que acontece já há 10 anos, quando do Congresso Latino-Americano (2003), realizado em São Leopoldo (RS). Lá discutíamos que era preciso romper as fronteiras da solidariedade, as fronteiras da exploração – não só na luta dos catadores, mas de todas as pessoas em situação de vulnerabilidade”.
Falando sobre o Brasil como um modelo, Roberto afirma que “a América Latina e o mundo têm nos catadores brasileiros a referência de organização e trabalho”.
Neste sentido, afirma o catador, “saímos da Expo com bastante engajamento dos companheiros latino-americanos”. Catadoras e catadores de outros países assimilam cada vez mais a experiência do MNCR de tecnologia social da coleta seletiva e levam-na para os seus países. Com otimismo, Roberto sinaliza os compromissos continentais para 2014. “Temos uma agenda positiva e bem embasada, construída com secretarias e assumida pelos países”, informa.
O caminho futuro é de fortalecimento da Rede Latino-Americana de Catadoras e de Catadores. Alex encara que este é uma estratégia que o movimento deve priorizar. “Com a força política do MNCR, precisamos abrir horizontes e perspectivas para a América Latina.” Concretamente, é preciso definir agendas mais amplas e integradas, construir mecanismos de erradicação da pobreza e da exclusão social e trabalhar em função do meio ambiente – “e não o contrário, ou seja, o meio ambiente trabalhar para nós”.
Foto: http://www.flickr.com/