Vivemos em um mundo de paradoxos: gente sem casa e casas sem gente, ricos mais ricos e pobres mais pobres, desperdício versus fome. Dizem-nos que o mundo é assim e que é má sorte. Apresentam-nos a realidade como inevitável. Mas não é verdade. Uma vez que, o sistema e as políticas se digam neutras e não são. Têm uma inclinação ideológica e reacionária: procuram o benefício, ou agora a sobrevivência, de poucos à custa da grande maioria. Assim funciona o capitalismo, também nas coisas de comer.
Esther Vivas, membro do Centro de Estudos sobre Movimentos Sociais (CEMS) da Universidade Pompeu Fabra (UPF), e co-autora do livro Resistências Globais. De Seattle à Crise de Wall Street [sem edição em português].
Os resultados da lógica de produção de alimentos em grande escala
Um relatório de uma organização britânica indica que até metade de toda a comida produzida a cada ano no mundo, ou cerca de dois bilhões de toneladas, vão parar no lixo. A reportagem é da BBC Brasil, 10-01-2013.
O documento, intitulado Global Food; Waste not, Want not (“Alimentos Globais; Não Desperdice, Não Queira”, em tradução livre), diz que o desperdício está ocorrendo devido a uma série de motivos, entre eles as condições inadequadas de armazenamento e a adoção de prazos de validade demasiadamente rigorosos.
Outro problema é a preferência dos consumidores por alimentos com um formato ou cor específicos. O estudo diz que até 30% das frutas, verduras e legumes plantados na Grã-Bretanha sequer são colhidos por causa de sua aparência.
O desperdício de alimentos também implica em desperdício de recursos usados para a produção deles, como água, áreas para agricultura e energia, alertou o relatório publicado pela Institution of Mechanical Engineers, uma organização que representa engenheiros mecânicos e reúne cem mil membros no Reino Unido.
Ofertas nos supermercados
A ONU prevê que até 2075 a população mundial chegue a 9,5 bilhões de pessoas, um acréscimo de 3 bilhões em relação à população atual, o que reforça a necessidade de se adotar uma estratégia para combater o desperdício de alimentos e, assim, tentar evitar o aumento da fome no mundo.
De acordo com o relatório, o equivalente a entre 30% e 50% dos alimentos produzidos no mundo por ano, ou seja, entre 1,2 bilhão e 2 bilhões de toneladas, nunca são ingeridos. Além disso, nos Estados Unidos e na Europa, metade da comida que é comprada acaba sendo jogada fora.
Tim Fox, diretor de Energia e Meio Ambiente da Institution of Mechanical Engineers, disse que o desperdício é “assombroso”. “Isto é comida que poderia ser usada para alimentar a crescente população mundial além de aqueles que atualmente passam fome.”
“As razões desta situação variam das técnicas insatisfatórias de engenharia e agricultura à infraestrutura inadequada de transporte e armazenamento, passando pela exigência feita pelos supermercados de que os produtos sejam visualmente perfeitos e pelas promoções de 'compre um, leve outro grátis', que incentivam os consumidores a levar para casa mais do que precisam”, disse.
Água
O relatório alertou que atualmente 550 bilhões de metros cúbicos de água estão sendo desperdiçados na produção de alimentos que vão para o lixo. E o problema pode se agravar. Segundo a Institution of Mechanical Engineers, o consumo de água no mundo chegará a até 13 trilhões de metros cúbicos por ano em 2050 devido ao crescimento da demanda para produção de alimentos.
Isso representa até 3,5 vezes o total de água consumido atualmente pela humanidade e gera o temor de mais escassez do recurso no futuro. O alto consumo de carne tem grande influência nesse aumento de demanda, visto que a produção de carne exige mais água do que a produção de alimentos vegetais.
“À medida que água, terra e energia passam a ser mais disputados devido à demanda da humanidade, os engenheiros tem um papel crucial a desempenhar no sentido de prevenir a perda e o desperdício de alimentos, desenvolvendo formas mais eficientes de produção, transporte e armazenamento”, disse Fox.
Foto: Catadores e catadoras buscam alimento no lixão de uma cidade gaúcha. A foto é de Paulino Menezes/Banco de Imagens FLD ACT.