“É preciso desconstruir alguns mitos sobre o que é um Estado laico, entre esses de que é ‘ateu’, quando justamente defende a pluralidade religiosa e busca garantir direitos iguais a todas as religiões”, disse a coordenadora do Observatório da Laicidade na Educação (OLE’), Amanda Mendonça, ao apresentar o painel Análise das frentes parlamentares evangélica e católica, durante o Seminário Política e Religiões: Democracia, Diversidade e Direitos, promovido no dia 20 de agosto, em Porto Alegre (RS), pelo Fórum Inter-religioso e Ecumênico do RS, com apoio do Conselho Nacional de Igrejas Cristãs RS (CONIC), Fundação Luterana de Diaconia (FLD) e CPERS. Outro mito é que a separação entre o Estado e as sociedades religiosas garante a laicidade: “laicidade não é um objetivo final, mas, sim, uma constante disputa, que faz parte do processo democrático”, afirmou.
O Observatório da Laicidade na Educação foi criado em 2013, a partir do Observatório da Laicidade do Estado, que funcionou de 2007 a 2013, no Núcleo de Estudos de Políticas Públicas em Direitos Humanos, da Universidade Federal do Rio de Janeiro. É composto por uma rede de professoras, professores e estudantes que elaboram, reúnem e difundem pela internet posições relacionadas especialmente à educação pública laica.
“A religião permeia o currículo escolar, sem respeito às crenças minoritárias e a não crença religiosa, cuja liberdade é garantida pela Constituição”, disse a coordenadora do OLE’. “Como a escola ainda é o maior espaço de socialização na infância, a Educação Pública acaba sendo de interesse para igrejas, pois permite uma formação hegemônica.”
A disputa por esse espaço se dá no campo político, especialmente entre a Igreja Católica e as igrejas pentecostais, através da atuação das duas bancadas na Câmara Federal, que atuam de forma diferente: uma nos bastidores e a outra de forma visível. Quando os interesse convergem elas se unem. A estratégia utilizada é a ocupação, o máximo possível, da presidência de comissões parlamentares.
A posição do observatório é que as comunidades religiosas dispõem de ambientes para seus cultos e ensinamentos próprios. “Não temos nenhum sentimento antirreligioso. Mas para dar conta da religiosidade de seus fieis, as igrejas não precisam da escola pública. Quanto às escolas não pertencentes às redes públicas de ensino, a posição do OLE´ é de respeito às opções filosóficas e/ou religiosas de cada uma”, afirmou Amanda.
A mesa sobre Democracia, Diversidade e Direitos na afirmação do Estado Laico esteve composta pelo juiz de direito do Rio Grande do Sul, doutor em Antropologia Social pela UFRGS e coordenador do Núcleo de Estudos em Direito e Religião da Escola Superior de Magistratura, Roberto Lorea, pela doutora em Teologia, da Igreja Episcopal Anglicana do Brasil (IEAB), Nivia Ivette Núñes de la Paz, pelo presidente do Conselho do Povo de Terreiro do Estado do RS e coordenador da Renafro-Saúde/RS, Baba Diba de Iyemonja, Babalorixá do Ile Axé Iyemonja Omi Olodo, pela assessora Jurídica da ONG Igualdade RS – Associação de Travestis e Transexuais do Rio Grande do Sul, Luisa Stern, e pela deputada pela deputada federal e ex-ministra de Estado de Direitos Humanos, Maria do Rosário.
“Jesus veio para que tenhamos vida abundante, e é essa proposta que deve orientar a política, a religião e a ética”, disse Nivia Ivette Núñes de la Paz. Para ela, tudo o que vai contra esse modelo deve ser combatido. “É um processo de desconstrução e de construção, sobre o qual todas e todos nós temos responsabilidade”. A deputada Maria do Rosário lembrou os graves ataques aos Direitos, que vêm acontecendo nos últimos meses. “Direitos e garantias individuais estão em risco. Aquilo que não interessa às bancadas fundamentalistas não entra nas pautas, como a laicidade do estado.”
A assessora Jurídica da ONG Igualdade, Luiza Stern, falou sobre a crescente violência contra movimentos sociais – “na última Conferência das Mulheres, em Brasília, fomos atacadas com spray de pimenta” – e sobre o desmonte da Secretaria Nacional de Políticas para Mulheres e do seu orçamento, alocado agora no Ministério da Justiça (que recebeu o nome de Ministério da Justiça e Cidadania). Também relatou o significativo aumento de assassinatos contra transexuais e travestis. “Precisamos nos unir para combater esse projeto de destruição que está em andamento no Brasil, de tomada de direitos que levamos décadas para construir.”
Baba Diba, presidente do Conselho do Povo de Terreiro do Estado do RS e coordenador da Renafro-Saúde/RS abordou os ataques a terreiros, espaços de resistência, motivados especialmente pelo acolhimento a pessoas homossexuais. “Esses crimes contra nosso povo são motivados pela homofobia. O fundamentalismo está constantemente combatendo a pluralidade e a matriz africana. Não podemos abrir mão dos espaços religiosos como espaços políticos.” O juiz Roberto Lorea destacou que um dos problemas é que os operadores do Direito partem, na maior parte das vezes, do seu conhecimento ou desconhecimento para decidirem questões que envolvem a laicidade e o direito à expressão religiosa. O artigo 5º, inciso VI, da Constituição Brasileira dispõe que é “inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgia”. “O desrespeito ao alicerce da laicidade no Brasil mostra o quanto nossa constituição está em risco”.