O relatório conjunto do Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH), Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC) e Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), do qual a FLD faz parte, publicado no dia 16 de novembro pelo CNDH, recomenda, entre outras medidas, que o Ministério Público Estadual do Ceará (MPE-CE) adote medidas cabíveis contra o governador do estado, considerando as graves violações de direitos humanos constatadas contra os adolescentes em cumprimento de medidas socioeducativas, que podem, na avaliação do CNDH, constituir improbidade.
O documento também recomenda que o MPE-CE represente contra o superintendente estadual de Atendimento Socioeducativo por ato de improbidade administrativa; apure os inquéritos sobre os homicídios de adolescentes internos e instaure procedimentos investigatórios sobre as denúncias de tortura e maus tratos sofridos pelos adolescentes nas unidades e no exercício do controle externo da atividade policial.
Entregue no dia 13, em Brasília, aos comissários da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) James Cavallaro e Esmeralda Arosemena, o relatório deverá ser novamente apresentado aos comissionários na reunião com os peticionários das Medidas Cautelares junto à CIDH: Centro de Defesa da Criança e do Adolescente do Ceará (Cedeca Ceará), Fórum Permanente de ONGs de Defesa dos Direitos de Crianças e Adolescentes (Fórum DCA) e Associação Nacional dos Centros de Defesa da Criança e do Adolescente (Anced).
Conclusões do relatório
O documento é resultado da missão conjunta realizada nos dias 17 e 18 de agosto sobre o sistema socieducativo do Ceará, que teve como objetivo monitorar as Medidas Cautelares 60-15 outorgadas pela Comissão Interamericana ao Estado Brasileiro em 31 de dezembro de 2015, tendo em vista a situação de gravidade e urgência das unidades de internação do sistema socioeducativo do estado.
A missão concluiu que persistem graves violações de direitos humanos nas unidades de internação do Ceará, como por exemplo, a ausência de oferta educativa regular para os adolescentes, o emprego de revista vexatória e de algemas de maneira abusiva, além de longo tempo de confinamento de adolescentes, que chegam a ficar 23 horas e 45 minutos por dia encarcerados, em dormitórios com estrutura de cela.
Também foram identificados um grande número de denúncias de violência institucional sem a devida apuração e atraso processual na vara responsável pela execução das medidas socioeducativas, mantendo os adolescentes detidos por mais tempo do que o determinado.
Durante a missão, foram realizadas audiências com representantes do Sistema de Justiça e do Executivo local, reuniões com movimentos e organizações locais e visitou três unidades de internação: Centro Educacional Dom Bosco, Centro Educacional São Miguel e Centro Educacional Patativa do Assaré.
Recomendações
Além das recomendações direcionadas ao MPE-CE, que incluem apuração de responsabilidades do Governador do estado, representação contra o Superintendente Estadual de Atendimento Socioeducativo por improbidade administrativa e apuração de inquéritos sobre homicídios de adolescentes nas unidades, o relatório também recomenda que o MPE-CE instaure procedimentos investigatórios sobre as denúncias de tortura e maus tratos sofridos pelos adolescentes nas unidades e no exercício do controle externo da atividade policial.
São feitas, ainda, recomendações relacionadas ao acesso à justiça e à atuação do Sistema de Justiça Juvenil; à estrutura e arquitetura das unidades; às visitas de familiares e visitas íntimas; ao direito à educação, à alimentação adequada, à integridade física, psicológica e à dignidade dos adolescentes internados, como por exemplo, que sejam abolidas a revista vexatória praticada contra adolescentes internos e seus familiares durante a realização das visitas ou de outras atividades externas aos dormitórios nas unidades, e a a utilização de isolamento compulsório como sanção disciplinar (“tranca”).
O relatório também propõe que o tempo de permanência dos adolescentes nos dormitórios seja adequado ao que estabelece o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase), “com oferta de atividades educacionais, profissionalizantes, de lazer e de cultura, abolindo a prática de confinamento verificada nas unidades socioeducativas que chega a ser superior a 23 horas”.
HISTÓRICO
Denúncia à Comissão Interamericana
Em 31 de dezembro de 2015, a Comissão Interamericana concedeu Medidas Cautelares em favor dos adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa de internação no Ceará, solicitando que o Estado brasileiro adotasse, com urgência, as medidas necessárias para salvaguardar a vida e a integridade dos adolescentes. O cenário de violações denunciado à época para a CIDH, apresentava, além da ocorrência de repetidas rebeliões e conflitos, violência institucional, episódios de tortura, maus tratos e superlotação. Este cenário se estendeu e chegou a se agravar ao longo de 2016.
Em dezembro de 2016, em reunião de trabalho durante o 159º Período Ordinário de Sessões da CIDH, no Panamá, o Conselho Nacional de Direitos Humanos foi designado como órgão responsável pelo monitoramento das medidas cautelares concedidas pela Comissão.
Monitoramento das medidas cautelares
O monitoramento das Medidas Cautelares por parte do CNDH foi acordado entre os Peticionários – Associação Nacional de Centros de Defesa da Criança e do Adolescente (ANCED), Fórum Permanente das Ong’s de Defesa dos Direitos da Criança (Fórum DCA Ceará) e do Adolescente do Ceará e Centro de Defesa da Criança e do Adolescente do Ceará (CEDECA Ceará) – e o Estado brasileiro em reunião de trabalho convocada pela CIDH em dezembro de 2016 no Panamá.
O caso do Ceará também teve destaque em Audiência Temática realizada pela CIDH em março de 2017 sobre a situação de direitos humanos dos adolescentes privados de liberdade no Brasil e sobre os retrocesos legislativos em pauta no Congresso, como a redução da maioridade penal e o aumento do tempo de internação. Diante das informações prestadas pelas organizações, os Comissários James Cavallaro, Relator para o Brasil e sobre os Direitos de Pessoas Privadas de Liberdade, e a Comissária Esmeralda Arosemana de Troitiño, Relatora sobre os Direitos da Infância, disponibilizaram-se para realizar visita ao Brasil para averiguar a situação das unidades de internação de adolescentes.
Acompanhamento do CNDH
O CNDH acompanha a situação do Ceará desde 2015 quando, em sua 10º Reunião Ordinária, realizada em outubro de 2015, o CEDECA Ceará apresentou relatório com denúncias de violações de direitos no âmbito do sistema socioeducativo local.
Após a denúncia, foi criado um Grupo de Trabalho no âmbito da Comissão Permanente dos Direitos da População em Situação de Privação de Liberdade, que saiu em missão ao estado nos dias 3 e 4 de novembro de 2015, e confirmou a gravidade das violações conforme registrado no relatório final da missão: https://goo.gl/sNsIJd
Fonte: CNDH/MDH