A cidade de Santana do Livramento (RS) recebeu, nos dias 27 e 28 de março, a Nem Tão Doce Lar, da Fundação Luterana de Diaconia (FLD), em uma parceria com a Universidade Federal do Pampa (Unipampa) e com a Universidade Estadual do Rio Grande do Sul (UERGS). No dia 27, a FLD promoveu a oficina de formação de acolhedoras e acolhedores, com a participação de catadoras de materiais recicláveis, apoiadas pelo projeto Mulher Catadora é Mulher que Luta, e estudantes dos cursos de Direito, de Agronomia, de Economia e de Relações Internacionais das duas universidades. Catadoras e estudantes atuaram como acolhedoras e acolhedores junto ao público visitante da exposição, que esteve aberta na noite de 27 e no dia 28 no campus da Unipampa.
No dia 4 de abril, foram realizadas, no espaço físico da Nem Tão Doce Lar, duas mesas de debate sobre Superação da Violência de Gênero contra as Mulheres, com a presença de 135 estudantes dos cursos de Agronomia e de Desenvolvimento Rural e Gestão Agroindustrial, da UERGS, e de estudantes do Instituto Federal de Livramento.
As mesas integraram as atividades definidas na metodologia da exposição, que prevê momentos de formação, reflexão e discussão sobre temas ligados à superação da violência de gênero, fortalecimento de redes e incidência pública. Os temas abordados incluíram uma análise dos diferentes tipos de violência (física, sexual, patrimonial, moral, psicológica e religiosa) e uma discussão sobre masculinidades em oposição ao modelo vigente, amparado no machismo estrutural – modelo que justifica e incentiva a dominação feminina e a cultura do estupro como forma de afirmação dessa cultura patriarcal.
Relatos de duas representações que integraram as mesas:
“O Intuito de abordar o tema Feminismo foi o de desconstruir o aspecto negativo que paira no imaginário social, devido aos rótulos e à banalização do senso comum, denunciando assim a deturpação do tema. Apresentar dados estatísticos sobre violência contra mulher e elucidar alguns conceitos importantes como: relacionamentos abusivos, sororidade, micromachismos, motivando assim o debate a partir de provocações como: por que, em pleno século 21, ano de 2018 ainda precisamos falar sobre Feminismo.”
Tatiana de Mello Ribeiro – Coletivo LivraElas
“Desde 2017, coordeno o projeto de extensão Mapa da Violência e Acesso à Justiça: mulheres em situação de violência em Santana do Livramento (RS), desenvolvido na universidade. Já realizamos um levantamento dos boletins de ocorrência registrados na Delegacia de Pronto Atendimento (DPPA) do município, buscando identificar distorções e inconsistências e sugerir melhoras na forma pela qual os registros de denúncias de violências contra a mulher são inseridos no sistema da delegacia. Nosso objetivo é colocar as e os discentes em contato com situações que envolvam violência por razão de gênero além de apontar os problemas verificados nas instituições do sistema de justiça, no que se refere ao acolhimento de mulheres vítimas de violência e no registro das ocorrências.”
Vanessa Schinke – Professora de Direito Penal e de Processo Penal no Curso de Direito da Unipampa
As mesas foram mediadas pela professora Cassiane da Costa (UERGS) e pelo assessor de projetos Rogério Oliveira de Aguiar (FLD). Integraram as mesas de debate:
Mesa da tarde
- Rogério de Oliveira Aguiar, FLD
- Éden Sara Bjoski, coordenadora e psicóloga do Centro de Referência da Mulher Prof. Deise
- Tatiana de Mello Ribeiro Cruz, Coletivo LIVRAELAS
- Marli Cupsinski, Setor de Gênero do MST
Mesa da noite
- Profa. Vanessa Dorneles Schinke, UNIPAMPA
- Luciana Silveira Larruscahim, psicóloga, Instituto Mulheres de Santana
- Flávia Retamar, Marcha Mundial das Mulheres
- Nathália, Advogada do Centro de Referência da Mulher Prof. Deise
No dia 9 de abril, indo ao encontro dos temas discutidos nas mesas de debate do Superação da Violência de Gênero contra as Mulheres, os coletivos Marcha Mundial das Mulheres do Rio Grande do Sul – Coletivo Santana do Livramento, Coletivo LivraElas, Setor de Gênero do Movimento Sem Terra e Instituto Mulheres de Santana, publicaram uma nota de repúdio, disponível abaixo:
Nota de repúdio ao silêncio e a impunidade em Santana do Livramento
Nós, mulheres representantes de diversos movimentos sociais, denunciamos a banalização da violência contra as mulheres, a objetificação de nossos corpos, a culpabilização da vítima e o silenciamento das Instituições de Ensino perante casos de violência de gênero, sejam elas violências de cunho sexual, físico, moral, psicológico, no município de Santana do Livramento.
Sabemos que uma mulher é assassinada a cada duas horas no Brasil, carente da padronização no acolhimento e principalmente registros ou notificações corretas. Segundo a Secretaria Estadual de Segurança Pública do RS, o estupro contra as mulheres foi um dos índices que sofreu aumento, incluindo o estupro de vulnerável nessa estatística. Foram registrados 1.574 casos em 2016 e 1.661 em 2017, ou seja, uma elevação de 5,5%. É importante ressaltar que os dados fazem referência apenas aos crimes denunciados oficialmente pelas vítimas, ou seja, na realidade contamos com mais casos do que os levantados pelas autoridades.
A Marcha Mundial das Mulheres desde 2009 denuncia o descaso das autoridades em solucionar os casos de feminicídios, estupros e violência doméstica contra as mulheres. Recentemente recebemos uma denúncia de estupro contra uma estudante, menor de idade, da Universidade Estadual do Rio Grande do Sul, campus Santana do Livramento. O silenciamento da Instituição é demonstrativo dessa cultura de desrespeito e agressão às mulheres.
Segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei 8.069/1990:
Art. 2º – Considera-se criança, para os efeitos dessa lei, a pessoa até 12 anos de idade incompletos, e adolescentes aquela entre 12 e 18 anos de idade.
Art. 4º – É dever da família, da comunidade, da sociedade geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.
Art. 5º – Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punindo na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais.
Nesse sentido, entendemos que as Instituições de Ensino da nossa cidade devem tomar para si a responsabilidade da ampla discussão sobre tais questões, para que desta forma comecemos a avançar rumo à transformação no cenário local, historicamente conivente com a violência contra a mulher.
A partir do relato da vítima, vemos que existe grande despreparo por parte da rede de serviços de proteção e acolhimento com as quais ela deveria poder contar, contra isso erguemos nossa voz. Não iremos compactuar com este tipo de prática, razão pela qual exigimos procedimentos de investigação adequados, identificação dos agressores e punição dentro do que garante a lei.
A culpa NUNCA é da vítima.
Crédito fotos: Kelly Camargo e Cassiane da Costa