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Encontrei um trabalho pela justiça, e é essa igreja que queremos, uma igreja pela justiça

Encontrei um trabalho pela justiça, e é essa igreja que queremos, uma igreja pela justiça
8 de abril de 2019 zweiarts

No Kilombo Monjolo houve desfile de modas, com camisetas e roupas, confeccionadas pelas mulheres de diferentes comunidades, além da apresentação de uma linha de bonecas

 

“Ler os relatórios é uma coisa, mas falar com as pessoas, ouvir sobre a transformação nas suas vidas, a quantidade de mudanças que ocorreram, é muito poderoso”, disse a diretora de Diaconia da Missão Global da Igreja Evangélica Luterana na América (ELCA, em inglês), Rebecca Duerst, que veio ao Rio Grande do Sul visitar projetos apoiados e organizações parceiras – a Fundação Luterana de Diaconia (FLD), o Centro de Apoio e Promoção da Agroecologia (CAPA) – além da IECLB, do Instituto de Sustentabilidade e o Programa de Gênero e Religião das Faculdades EST. “Vi um trabalho pela justiça, e é essa igreja que queremos, uma igreja pela justiça”, afirmou.

Ela esteve acompanhada pelo representante regional da Missão Global da ELCA, Gustavo Driau. A programação teve início na Fundação Luterana de Diaconia (FLD) na segunda-feira, quando foram recebidos pela secretária executiva, Cibele Kuss, pela coordenadora programática, Marilu Nörnberg Menezes, e pela assessora programática, Angelique van Zeeland. Além de conhecerem o trabalho da FLD, também conversaram sobre a Rede de Comércio Justo e Solidário, um dos projetos apoiados pela ELCA.

Cidadania Kilombola*

Na terça-feira, Rebecca e Gustavo estiveram em São Lourenço do Sul, em visita às comunidades kilombolas Monjolo e Coxilha Negra, junto com o Centro de Apoio e Promoção da Agroecologia (FLD – CAPA) / Núcleo Pelotas, em outro projeto apoiado pela ELCA. Foram recepcionados por moradoras e moradores locais, além de representantes das comunidades Cerro das Velhas, Torrão, Algodão, Coxilha Negra, Maçambique e Campos Quevedos, e do Movimento Negro de São Lourenço do Sul.

O almoço foi no estilo ipade (que significa reunião e encontro na língua iorubá), com alimentos tradicionais da culinária africana. A conversa continuou à tarde, com relatos sobre avanços das comunidades kilombolas, a partir do trabalho do CAPA-FLD, com apoio da ELCA.

Dentre as várias conquistas, foram citadas a identificação e reconhecimento oficial pela Fundação Palmares e, a partir daí, a possibilidade de acesso a políticas públicas – documentação da trabalhadora rural, acesso à aposentadoria, auxílio doença e auxílio maternidade – inserção em espaços de incidência pública, habitação rural, trabalho de assistência técnica para produção de alimentos, cotas nas universidades, entre outros.

Adriana da Silva Ferreira, artesã e agricultora, recebeu há poucos dias (24 de março) o diploma de Educação do Campo, da FURG – a primeira mulher kilombola de Coxilha Negra a receber o diploma de um curso superior. “A oportunidade de estar na Universidade fez eu me reconhecer. Ontem, éramos as negras do kilombo, hoje, somos kilombolas”.

“Saber que as e os jovens estão tendo oportunidade de estudar em universidades, e depois voltam para suas comunidades, saber da invisibilidade anterior das comunidades kilombolas e de como fortaleceram sua identidade, ver esse poder coletivo, é uma imagem muito potente”, disse a diretora da Diaconia da MG/ELCA.

Também houve roda de capoeira, com as crianças, e desfile de roupas e bonecas confeccionadas pelas mulheres.

Na quarta-feira, o programa seguiu com reunião na sede do CAPA/Pelotas, com a coordenadora Rita Surita e a equipe, a secretária executiva e a coordenadora programática da FLD. À tarde, o grupo esteve no Sínodo Sul-rio-grandense, com a pastora sinodal, Roili Borchardt, e pastor-vice sinodal, Fábio Steinert.

Economia e Solidariedade

Na quinta-feira, o café da manhã preparado por grupos da Rede de Comércio Justo e Solidário abriu as conversas com mulheres que integram seu Conselho Gestor. Sobre a mesa, na sede da FLD, sucos, pães, cucas, salgados, tapioca e biscoitos, muitos preparados com ingredientes orgânicos e sem glúten.

A Rede de Comércio Justo foi criada em 2012, com apoio da ELCA. Promove outra forma de pensar o consumo – a partir do compromisso social, gestão democrática com justiça de gênero, da promoção do associativismo e da solidariedade. Para isso, busca o fortalecimento de empreendimentos econômicos solidários, por meio de cursos de formação e abertura de espaços de comercialização, e o despertar de consumidoras e consumidores para a proposta.

“Além de oportunizar novos espaços para venda – a comercialização sempre é um desafio – a Rede é um espaço seguro para conversar sobre erros e acertos e trocar informações sobre a área de Economia Solidária, especialmente no atual contexto (social, político e econômico) pelo qual estamos passando no Brasil”, afirmou Sueli Angelita da Silva, da Associação Artesãos da Feitoria. “Estamos juntas, e isso nos fortalece”.

A formação é outra das atividades que resultaram, de forma unânime, em mudanças nos grupos. “Os cursos, especialmente os de viabilidade econômica e gestão democrática, foram um marco. Antes, estávamos produzindo para pagar os materiais, sem ter entrada de dinheiro. Agora, para definirmos o preço, calculamos a matéria prima, o custo de manutenção de equipamentos e o tempo de trabalho, disse Rejane Aurélio da Silva, da Associação Mulheres Educando e Semeando.

“E não foi só nos empreendimentos, mas apliquei esse conhecimento na minha casa!”, contou Leidi Toniolo da Silva, da cooperativa Vida Saudável.

A criação de um fundo solidário em 2018, pensando na sustentabilidade da Rede de Comércio Justo e Solidário, foi apontada como outra conquista importante. Para isso, as integrantes do conselho gestor participaram de oficinas sobre fundos solidários, elaboraram uma proposta de regimento para seu funcionamento, que posteriormente foi aprovado no Encontro Geral da Rede. O valor do fundo será destinado a pagamento de transporte, estadia e alimentação, no caso de representação em atividades externas, de comercialização em espaços e feiras e dos encontros da Rede.

“Agradeço essa oportunidade de estar aqui”, afirmou Rebecca, no final da conversa. “O que vi e escutei nesses quatro dias foi muito além das minhas expectativas. Trabalhar com vocês, sentir essa energia de transformação, é o que dá sentido ao nosso trabalho.”

*FLD-CAPA utilizam a grafia das palavras kilombo e kilombolas com k, uma vez que na língua ioruba não existem as letras “qu”

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