Povo Jamamadi Deni, comunidade do Tocimão-Terra Indígena Inauiní Teuiní (AM)
No período alusivo aos povos indígenas no Brasil, 19 de abril, são publicadas matérias jornalísticas e peças publicitárias sobre a realidade dos povos e comunidades indígenas. As abordagens e os imaginários apresentados são diversos, assim como é a diversidade entre os mais de 300 povos indígenas no país. Mesmo entre as lideranças e intelectuais indígenas se evidencia a diversidade de opiniões e posicionamentos.
Neste ano, agrega-se os efeitos e impactos consequentes à pandemia pela COVID-19, fato que eleva as preocupações sobre a atenção à saúde e de saneamento das comunidades indígenas, um dos grupos sociais brasileiros mais vulneráveis aos efeitos da contaminação pelo vírus. Desde o início do reconhecimento da pandemia pelos poderes públicos, os povos e comunidades indígenas, de forma autônoma ou em parceria, manifestaram suas preocupações quanto à situação.
As manifestações dos impactos e riscos da pandemia evidenciaram a situação de vulnerabilidade e precariedade em que vivem, uma realidade constante e que pouco mudou no processo histórico. A realidade de quase invisibilidade, de desassistência, de uma visão estereotipada, de tratamentos tutelares, de preconceito e discriminação ainda são queixas e denúncias das lideranças indígenas. Então, o que mudou para as comunidades indígenas? Foi a pergunta repetida por lideranças e representantes indígenas neste período de distanciamento social e alusivo ao ‘dia do índio’.
A vulnerabilidade e precariedade tem se traduzido na inexistência das condições mínimas para cumprir com as medidas sanitárias elementares: acesso à água e saneamento; o desprovimento de itens de higiene; a carência de alimentos; dificuldades de acesso e/ou distância das unidades de atenção à saúde; poucas iniciativas de ações de sustentabilidade econômica; direito à terra não assegurado; a invasão de seus territórios; e os assassinatos e outras violações e violências. Essas situações, entre outras, sempre foram a triste realidade enfrentada pelos povos e comunidades indígenas.
As políticas públicas, no momento, pouco amenizam os impactos dessa pandemia, podendo se constituir em realidade de genocídio. Assiste-se à inércia da Fundação Nacional de Apoio ao Índio (FUNAI), não só em relação à demarcação de terras, inclusive com posturas em contrário à demarcação, mas também em relação à proteção dos territórios, à criação de barreiras sanitárias e de entrada de pessoas invasoras com interesses escusos nas Terras Indígenas.
Por parte da Secretaria Especial de Saúde Indígena do Ministério da Saúde (SESAI/MS), apesar das portarias orientativas, as ações práticas se constituem de forma difusa e desorganizada, comprometendo a eficácia ao enfrentamento dessa crise, mesmo com os esforços de profissionais da saúde indígena. Por vezes, há o sentimento de abandono e insegurança sobre os procedimentos a adotar pelas comunidades indígenas. Ressalta-se que o sistema imunológico da população indígena é mais suscetível ao contágio viral, por isso é caracterizada como grupo de risco pela infecção da COVID-19. A solidariedade da sociedade não indígena, que tem contribuído com donativos e campanhas, tem sido um alento e minimizado as dificuldades.
O que pode mudar para 2021? Que a perspectiva dos noticiários a respeito dos povos indígenas contribuísse para a superação da visão estereotipada e preconceituosa, para além do dia 19 de abril. Mas, sobretudo, que a realidade das comunidades indígenas seja distinta da atual. Que o direito à terra demarcada e protegida seja atendido de acordo aos preceitos constitucionais e dos acordos internacionais. Que as comunidades tenham programas de sustentabilidades e de geração de renda de acordo aos preceitos étnicos e que promovam a segurança alimentar e nutricional. Que as pessoas indígenas possam atuar autonomamente e com protagonismo na constituição social brasileira. Que a situação de maior segurança e garantia das condições de vida contribuam na superação dos flagelos. Que a diversidade e a multiplicidade de visões de mundo e jeitos de ser sejam respeitados como ciências próprias e fundamentos para o diálogo.
Abril de 2020
Fonte: COMIN