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Comitê dos Povos e Comunidades Tradicionais do Pampa entrega Manifesto contra mineração ao MPF

Comitê dos Povos e Comunidades Tradicionais do Pampa entrega Manifesto contra mineração ao MPF
15 de março de 2018 zweiarts

No dia 23 de janeiro, representantes do Comitê dos Povos e Comunidades Tradicionais do Pampa e da Fundação Luterana de Diaconia (FLD) reuniram-se com a procuradora da República Amanda Gualtieri Varela, no município de Bagé (RS). Na ocasião, entregaram um documento elaborado pelo Comitê e pela FLD para ser inserido nos autos do Inquérito Civil que tramita no MPF de Bagé, referente ao projeto de mineração Santa Maria, conhecido como projeto “Caçapava do Sul”, das empresas Nexa Resources (união da Votorantim Metais com a Melpo, do Peru) e a mineradora Iamgold Brasil.

O “Manifesto sobre Políticas, Planos e projetos de mineração no Rio Grande do Sul e sobre o projeto de mineração `Caçapava do Sul´” contém 72 páginas e sete anexos que apontam – de forma fundamentada  – para processos conduzidos de forma arbitrária, não transparente, anti-democrática e sem participação dos Povos e Comunidades Tradicionais e do conjunto de organizações da sociedade civil, tanto pelo poder público como por empresas de mineração. Quanto aos projetos de mineração, aponta para o forte aparato de propaganda usado junto às comunidades locais, especialmente junto às comunidades escolares.

Neste sentido, o Manifesto faz menção ao Plano Energético do estado do RS para o período de 2016-2025, ao Plano Estadual de Mineração-RS, à Política Estadual do Carvão Mineral e instituição do Polo Carboquímico do RS (Lei 15.047 de 2017), e sobre alguns dos processos minerários mais preocupantes no momento. São eles: o projeto “Retiro”, da empresa Rio Grande Mineração S.A. – RGM, que pretende minerar titânio, ilmenita, rutilo e zirconita e outros metais pesados em São José do Norte, com projeção de mais outros dois projetos na região: Estreito/Capão do Meio e Bujuru; o projeto “Três Estradas”, da empresa Águia Fertilizantes, subsidiária do grupo de mineração australiano Aguia Resources, que pretende minerar fosfato em Lavras do Sul, com pretensão de minerar calcário, além do fosfato, também nas localidades de Joca Tavares e Porteira no município de Bagé, e em Cerro Preto, no município de Dom Pedrito; e o projeto “Caçapava do Sul”, uma joint venture entre a mineradora Iamgold Brasil e Nexa Resources (ex-Votorantim Metais Holding e que pretende minerar chumbo, cobre, zinco (além de ouro e prata associados) na parte alta da bacia do rio Camaquã, com instalações no município de Caçapava do Sul.

A maior parte dos processos minerários encontra-se na metade sul do RS, no bioma Pampa, especialmente na região sudeste, mas também na depressão central, região metropolitana e litoral norte, sobrepondo-se a regiões bastante conservadas dos biomas Pampa e Mata Atlântica, bem como da Zona Costeira e Marinha, regiões de grande concentração de Povos e Comunidades Tradicionais no estado.

Conforme o Manifesto, estas Políticas, Planos e Projetos de mineração vêm sistemática e reiteradamente desrespeitando os direitos fundamentais de Povos e Comunidades Tradicionais e os pactos assumidos pelo Brasil perante a Organização das Nações Unidas (ONU), a exemplo da Constituição Federal, da Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais (PNPCT), do Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, da Declaração Universal dos Direitos Humanos, dos Princípios Orientadores para Empresas e Direitos Humanos da ONU, da Convenção da Diversidade Biológica (CDB) e da Convenção nº 169 sobre Povos Indígenas e Tribais, da Organização Internacional do Trabalho (OIT), de 1989.

O Manifesto apresenta ainda diversos documentos recentemente publicados que confirmam a existência de uma relação direta e profunda da mineração com as violações de direitos humanos – em especial relacionados a Povos e Comunidades Tradicionais – a exemplo do “Relatório da missão ao Brasil da Relatoria Especial sobre os direitos dos povos indígenas”, do Conselho de Direitos Humanos da ONU, de 2016, o “Relatório Violência contra os Povos Indígenas no Brasil – dados de 2015”, publicado pelo Conselho Indigenista Missionário (CIMI), o documento “Direitos humanos no Brasil: informe da sociedade civil sobre a situação dos DhESC”, publicado em 2017 pela Articulação para o Monitoramento dos Direitos Humanos no Brasil. Também apresenta manifestações coletivas que afirmam que o modelo de exploração mineral que vem sendo incentivado está baseado em uma lógica insustentável, agressiva e violenta, que desrespeita os direitos humanos, econômicos, sociais, culturais e ambientais – DHESCAs, a exemplo da “Nota da Associação Brasileira de Antropologia (ABA) e sua Assessoria de Meio Ambiente em repúdio ao Programa de Revitalização da Indústria Mineral Brasileira”, divulgada em 2017, e de Cartas elaboradas em eventos estaduais e regionais referentes aos projetos de mineração no estado do RS.

Conforme o Manifesto entregue ao MPF “a possibilidade de instalação de empreendimentos minerários no RS tem gerado mobilizações de resistência da sociedade civil, que reclama a falta de informações sobre os projetos pretendidos nas regiões e suas consequências para a sociobiodiversidade.”

Em relação ao Projeto `Caçapava do Sul´, o Manifesto aponta para fragilidades, inconsistências, omissões e afirmações contraditórias especialmente no que se refere aos aspectos socioeconômicos, socioambientais e socioculturais do empreendimento. Reitera considerações feitas em audiência pública e em documentos já entregues ao próprio MPF, especialmente em relação à definição das áreas de impacto, reafirmando que “a metodologia de estabelecimento das áreas de influência não tem base teórica, científica e metodológica, configurando-se em um ´vício de origem` que compromete todo o EIA-RIMA”. Segundo o Manifesto, o EIA-Rima desconsidera os objetivos e potencialidades econômicas e sociais das comunidades locais que serão afetadas, inclusive as perspectivas de Povos e Comunidades Tradicionais ali presentes, e reitera que “as características do bioma Pampa e a vocação sociocultural da região não são compatíveis com projetos de mineração”.

Foram anexados ao Manifesto uma Moção e uma Recomendação elaboradas pelo Conselho Estadual de Direitos Humanos (CEDH-RS) em 2017. A Moção é de repúdio ao projeto `Caçapava do Sul´ e aos demais projetos de mineração no extremo sul do estado do RS, e a Recomendação (CEDH/RS nº 06/2017) orienta que não seja concedida licença ambiental para o referido projeto. Na ocasião o CEDH protocolou a Recomendação na Fepam, na Secretaria Estadual do Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (SEMA) e no Conselho Estadual do Meio Ambiente (CONSEMA). A Recomendação cita o descumprimento do artigo 6º da Convenção nº 169 da OIT de 1989, representando “grave violação dos direitos de Povos e Comunidades Tradicionais, que foram ignorados e invisibilizados no processo de estudos, consulta e tramitação do licenciamento da empresa junto à Fepam”. Também afirma que “a mineração de chumbo, cobre e zinco representa graves danos na saúde e no modo de vida dos Povos e Comunidades Tradicionais, bem como nas identidades socioculturais, uma vez que haverá supressão, degradação e contaminação da biodiversidade, da água e do solo e restrição de uso e acesso a territórios tradicionais”.

Ainda com relação ao projeto `Caçapava do Sul´, o EIA-RIMA abordou as identidades de Povos Indígenas e Comunidades Quilombolas de forma rasa e descomprometida, não mencionando absolutamente nada a respeito dos modos de vida, aspectos socioculturais específicos, relação com a biodiversidade local, territorialidade e patrimônio imaterial. Estes Povos e Comunidades Tradicionais foram colocados no passado pelo EIA, ao localizarem Povos Indígenas Guarani e Kaingang no capítulo sobre Arqueologia. Demais segmentos de Povos e Comunidades Tradicionais também não foram mencionados no EIA-RIMA, nem mesmo Pecuaristas Familiares, perceptivelmente presentes na região.

O Manifesto apresenta informações e dados fundamentados, referentes à significativa presença de Povos e Comunidades Tradicionais no entorno do local pretendido pelo empreendimento “Caçapava do Sul”, em toda a região do Alto Camaquã e ao longo de toda a Bacia Hidrográfica do rio Camaquã – bacia esta composta por 28 municípios – bem como na zona portuária de Rio Grande, região fortemente impactada pela atividade de mineração. São dezenas de Comunidades Indígenas, dezenas de Comunidades Quilombolas, dezenas de coletivos de Pescadoras e Pescadores Artesanais, centenas de famílias de Pecuaristas Familiares, milhares de domicílios de Povo de Terreiro/ Povo Tradicional de Matriz Africana, milhares de pessoas do Povo Pomerano, além da região ser rota de passagem e de acampamento do Povo Cigano e contar com a presença significativa de Benzedeiras e Benzedores. O livro “Povos e Comunidades Tradicionais do Pampa”, elaborado pelo Comitê, pela FLD e pela Articulação Pacari, entre 2015 e 2016, é um registro da existência de todas estas identidades sociais naquela região, e nas demais regiões do bioma Pampa e foi entregue para a Procuradora da República Amanda Gualtieri Varela por ocasião da reunião.

O Manifesto conclui afirmando que o Comitê dos Povos e Comunidades Tradicionais do Pampa e a FLD repudiam as políticas, planos e projetos de mineração no estado do Rio Grande do Sul, bem como os referidos projetos de mineração, tendo em vista que sustentam um modelo de desenvolvimento consumidor de bens naturais, à custa do desequilíbrio ambiental e climático, da perda da biodiversidade e da violação dos direitos das populações locais e de Povos e Comunidades Tradicionais, violando os direitos fundamentais, os princípios da Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais (Decreto nº 6.040 de 2007), que prevê o reconhecimento, a valorização e o respeito à diversidade socioambiental e cultural dos povos e comunidades tradicionais, e violando a Convenção nº 169 sobre Povos Indígenas e Tribais da OIT de 1989, que prevê consulta prévia, livre e informada nas decisões que possam afetar direitos e modos de vida de Povos Indígenas e Povos e Comunidades Tradicionais.