Em período eleitoral, o tema da redução da maioridade penal tem sido, comumente, utilizado por candidatos como alternativa para solucionar o problema da violência no país. Contrários a estes discursos, 104 organizações lançaram nesta quinta-feira, 16, um manifesto onde repudiam a ação destes candidatos.
No documento, as organizações ressaltam alguns pontos importantes para o debate, destacando que a redução da maioridade penal é um retrocesso para os direitos humanos de crianças e adolescentes.
“Infelizmente, constata-se que, ao flexibilizar garantias que protegem estes adolescentes em situação de vulnerabilidade, sob o argumento de que cometem crimes muito graves, os candidatos apenas saciam a ânsia punitivista que demanda, de maneira irracional, o isolamento desses sujeitos. Tal proposta afasta-se dos princípios norteadores do ECA – Estatuto da Criança e Adolescente, em termos de proteção à adolescência, ao buscar punir cada vez mais adolescentes em situação de conflito com a lei, acreditando ser esta a solução para os problemas da criminalidade”.
As organizações acreditam que os candidatos deveriam se comprometer em garantir a efetivação, implementação e aplicação do ECA e SINASE – Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo. “Nos parece muito mais sensato, na tentativa de aliar senso de justiça ao interesse social – palavras tão utilizadas por candidatos –, propostas que garantissem efetivamente a implementação e aplicação do ECA e do SINASE em todo o território nacional, sendo possível, assim, falar-se em soluções que implicam, essas sim, redução da violência e criminalidade – parte integrante da vida de todos os jovens selecionados por esse sistema de sociabilidade perverso. Ocorre que, ao relacionar de maneira superficial justiça social e segurança pública, os candidatos parecem desconhecer a realidade do cotidiano do Sistema de Justiça Juvenil no Brasil”.
A nota está aberta para mais adesões.
As entidades abaixo-assinadas são contrárias ao recrudescimento da legislação que trata da criança e do adolescente no Brasil. Por esse motivo, ressaltam-se alguns pontos importantes abaixo elencados.
Em primeiro lugar, a legislação que defende e trata dos direitos da criança e do adolescente no Brasil é datada de 1990, ou seja, foi publicada logo após a reabertura democrática do país. Nesse sentido, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)rompe com a cultura menorista presente nos Códigos de 1927 e 1979. Além disso, a Lei 12.594 de 2012 – Lei do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE) –, trouxe modificações de suma importância no que diz respeito à execução de medidas socioeducativas e, diga-se de passagem, ainda não foi implementada no país. Ademais, todos os tratados internacionais que versam sobre a temática como as Regras de Beijing (ONU, 1959), a Convenção sobre os Direitos da Criança (ONU, 1989) e os Princípios Orientadores de Riad (ONU, 1990) foram ratificados pelo Brasil, revestindo-se de status normativo-constitucional, o que torna inviável a elaboração de legislação com eles conflitantes.
Cumpre informar que foram registrados 22.077 (número absoluto) atos infracionais no ano de 2011 (FBSP, 2013). Extrai-se que os crimes hediondos, que são considerados mais graves, não são a maioria dos atos praticados por adolescentes, pelo contrário: estupro e latrocínio, por exemplo, compõem apenas 2,9% dos atos infracionais registrados em 2011, enquanto os atos infracionais análogos aos crimes contra o patrimônio e tráfico de drogas correspondem a 72% desse total. Além disso, cabe desmistificar o argumento de que a taxa de incidência de ato infracional tem aumentado. É bom lembrar que o CNJ aponta que em 2014 chegamos a uma população carcerária adulta de quase 715 mil presos no país (se considerados o cumprimento de pena em todos os regimes, inclusive o domiciliar): temos a terceira maior população carcerária do mundo (se considerados o cumprimento de pena em todos os regimes, inclusive o domiciliar) e isso não significa que estamos reduzindo a violência no Brasil.
Infelizmente, constata-se que, ao flexibilizar garantias que protegem estes adolescentes em situação de vulnerabilidade, sob o argumento de que cometem crimes muito graves, os candidatos apenas saciam a ânsia punitivista que demanda, de maneira irracional, o isolamento desses sujeitos. Tal proposta afasta-se dos princípios norteadores do ECA, em termos de proteção à adolescência, ao buscar punir cada vez mais adolescentes em situação de conflito com a lei, acreditando ser esta a solução para os problemas da criminalidade.
Nos parece muito mais sensato, na tentativa de aliar senso de justiça ao interesse social – palavras tão utilizadas por candidatos –, propostas que garantissem efetivamente a implementação e aplicação do ECA e do SINASE em todo o território nacional, sendo possível, assim, falar-se em soluções que implicam, essas sim, redução da violência e criminalidade – parte integrante da vida de todos os jovens selecionados por esse sistema de sociabilidade perverso. Ocorre que, ao relacionar de maneira superficial justiça social e segurança pública, os candidatos parecem desconhecer a realidade do cotidiano do Sistema de Justiça Juvenil no Brasil.
Espera-se que os candidatos a presidente apresentem o compromisso de efetivar pactos e documentos normativos relacionados à política socioeducativa, como por exemplo a Carta de Constituição de Estratégias em Defesa da Proteção Integral dos Direitos da Criança e do Adolescente (ver todo o conteúdo da carta aqui).
Por fim, destacamos que a sociedade brasileira não pode abandonar as conquistas sociais positivadas na Constituição Federal de 1988 e reconhecidas a todo e qualquer cidadão. À essa dinâmica atribui-se a expressão vedação do retrocesso social (SILVA, José Afonso da.Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros, 2010). Não há, portanto, lei ou mecanismo subjacente à Constituição Federal que possa veicular decisões contrárias às conquistas históricas do povo brasileiro, sendo toda e qualquer medida anunciada flagrantemente inconstitucional.
Por todo o exposto, as entidades repudiam que essa e outras questões que pactuem com o retrocesso dos direitos relacionados à criança e ao adolescente estejam sendo pautados no debate eleitoral.
Brasil, 16 de outubro de 2014.
- Ação Educativa – Assessoria, Pesquisa e Informação
- Aldeias Infantis SOS Brasil
- Assessoria Jurídica Popular Roberto Lyra Filho da Universidade de Brasília
- Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais
- Associação Nacional dos Centros de Defesa de Direitos de Criança e
- Adolescente (ANCED)
- ANDI – Comunicação e Direitos
- CEDECA Alagoas
- CEDECA Alta Paulista
- CEDECA Casa Renascer
- CEDECA Ceará
- CEDECA Distrito Federal
- CEDECA Dom Luciano
- CEDECA Emaús
- CEDECA Interlagos
- CEDECA Ivone da Glória/Tocantins
- CEDECA Limeira
- CEDECA Maria dos Anjos
- CEDECA Minas Gerais
- CEDECA Padre Marcos Passerini
- CEDECA PROAME
- CEDECA Rio de Janeiro
- CEDECA SAPOPEMBA
- CEDECA Sé
- CEDECA Zumbi dos Palmares
- Central Única dos Trabalhadores
- Centro Acadêmico André Franco Montoro da Faculdade de Direito da
- Universidade do Estado de São Paulo
- Centro Acadêmico Antônio Junqueira de Azevedo da Faculdade de Direito de
- Ribeirão Preto
- Centro Acadêmico Luiz Carpenter da Universidade Estadual do Rio de Janeiro
- Centro de Direitos Humanos e Educação Popular de Campo Limpo (CDHEP)
- Centro de Educação e Cultura Popular (CECUP)? Centro de Voluntariado de Apoio ao Menor – CEVAM
- Centro Popular de Formação da Juventude – Vida e Juventude
- Ciranda Brasil e Afro-brasileira de Comunicação Compartilhada
- Coletivo ArtSam
- Coletivo da Cidade – Distrito Federal
- Comissão de Direitos Humanos Sobral Pinto da Ordem dos Advogados do
- Brasil Seccional Rio Grande do Sul
- Comissão Nacional de Defesa dos Povos Indígenas
- Comissão Permanente de Assuntos Indígenas da Ordem dos Advogados do
- Brasil seccional Mato Grosso do Sul
- Comitê Nacional de Enfrentamento a Violência Sexual contra Crianças e
- Adolescentes
- Comitê Latino Americano e do Caribe em Defesa dos Direitos das Mulheres
- (CLADEM/Brasil)
- Conectas Direitos Humanos
- Conselho de Assistência Social do Distrito Federal
- Conselho dos Direitos da Criança e Adolescente do Distrito Federal
- Conselho dos Direitos da Criança e Adolescente do Rio de Janeiro
- Conselho dos Direitos da Criança e Adolescente de Santa Catarina
- Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil
- Conselho Federal do Serviço Social
- Conselho Federal de Psicologia
- Conselho Tutelar Brasília 1
- Diretório Acadêmico 28 de Março da Faculdade de Direito de Franca
- ECPAT Brasil
- Faculdade Latino-americana de Ciências Sociais/Brasil
- Fé e Alegria
- Federação Nacional das APAES
- Fórum dos Direitos da Criança e do Adolescente do Ceará
- Fórum de Promotoras Legais Populares do DF e Entorno
- Fórum Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente
- Frente Cearense contra a Redução da Maioridade Penal
- Frente Feminista Periférica do Coletivo ArtSam
- Fundação Abrinq
- Fundação Luterana de Diaconia
- Grupo Asa Branca de Criminologia da Universidade Católica de Pernambuco
- Grupo de Assessoria a Adolescentes Selecionados/as pelo Sistema Penal
- Juvenil do Serviço de Assessoria Jurídica da Universidade Federal do Rio
- Grande do Sul (G10/SAJU/UFRGS)
- Grupo de Defesa Integral de Adolescentes Selecionados/as pelo Poder
- Punitivo do Serviço de Assessoria Jurídica da Universidade Federal do Rio
- Grande do Sul (G11/SAJU/UFRGS)
- Grupo de Pesquisa em Políticas Públicas de Segurança Pública e
- Administração da Justiça Penal da Pontifícia Universidade Católica do Rio
- Grande do Sul (GPESC/PUCRS)
- Grupo de Pesquisa Violência e Cidadania da Universidade Federal do Rio
- Grande do Sul (GPVC/UFRGS)
- IDH – MS
- Instituto Braços – Centro de Defesa dos Direitos Humanos
- Instituto de Defensores de Direitos Humanos – DDH
- Instituto de Estudos Socioeconômicos (INESC)
- Instituto Dom Fernando da Pontifícia Universidade Católica de Goiás
- Instituto Pro Bono
- Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social.
- JusDh – Articulação Justiça e Direitos Humanos
- Justiça Global
- Movimento “18 Razões contra a Redução da Maioridade Penal”
- Movimento Nacional de Direitos Humanos
- Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua (São Paulo)
- Núcleo de Assessoria Jurídica Popular de Ribeirão Preto da Universidade de
- São Paulo (USP)
- Núcleo de Estudos Aplicados Direitos, Infância e Justiça da Faculdade de
- Direito da Universidade Federal do Ceará (UFC)
- Núcleo Especializado de Situação Carcerária da Defensoria Pública do Estado
- de São Paulo
- Observatório da População Infantojuvenil em Contextos de Violência da
- Universidade Federal do Rio Grande do Norte (OBIJU/UFRN)
- Pastoral da Criança
- Pastoral da Juventude do Distrito Federal
- Pastoral do Menor
- Plataforma Brasileira de Direitos Humanos Econômicos, Sociais, Culturais e
- Ambientais (Dhesca)
- Programa Interdepartamental de Práticas com Adolescentes e Jovens em
- Conflito com a Lei da Universidade Federal do Rio Grande do Sul
- (PIPA/UFRGS)
- Projeto Legal
- Rede de Adolescentes e Jovens pelo Direito ao esporte seguro e inclusivo
- Rede de Articulação do Jangurussu e Ancuri
- Rede de Educação Cidadã Distrito Federal e Entorno
- Rede Nacional de Advogados e Advogadas Populares
- Renade – Rede Nacional de Defesa do Adolescente em Conflito com a Lei
- Rede Justiça Criminal
- Salesianos
- Sociedade Espírita de Amparo ao Menor Casa do Caminho
- Terra de Direitos
- União dos Escoteiros do Brasil
- Visão Mundial
Fonte: http:renade.org/noticias