O Seminário Diaconia Transformadora em diálogo com Direitos Humanos, Políticas Públicas e Religiões – FLD + 15 anos, realizado ontem, em Porto Alegre (RS), encerrou a semana de programação de aniversário da Fundação Luterana de Diaconia. Pela manhã, participaram da mesa a professora da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), diácona Márcia Paixão, o integrante da Rede Ecumênica da Juventude (REJU) e presidente do Conselho Nacional da Juventude (Conjuve), Daniel Souza, e a secretária geral do Conselho Nacional de Igrejas Cristãs no Brasil (Conic), pastora Romi Bencke. A moderação foi feita pela secretária executiva da FLD, Cibele Kuss.
“O que falta hoje é olhar para o cotidiano”, disse Márcia Paixão, ao falar sobre diaconia transformadora. “Ali é que está o sofrimento, no dia-a-dia das pessoas, e estamos nos esquecendo disso. O desafio é olhar à volta e recuperar o verdadeiro sentido do nosso trabalho.”
De acordo com Márcia, a diaconia transformadora trabalha com os corpos que sofrem e com os muitos nomes que os sofrimentos têm, se vincula com as pessoas e busca um modo de dignificar a vida.
Como diácona atuante na Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB), ela lembrou o surgimento da FLD, a partir do Serviço de Projetos de Desenvolvimento da igreja. Para ela, a Diaconia na IECLB foi ousada ao criar a Fundação Luterana, que leva adiante esta ousadia.
A secretária geral do Conic, Romi Bencke, apontou quatro pontos fundamentais para se fazer Diaconia Transformadora: 1. Promover a solidariedade, afirmando as pluralidades e a diversidade; 2. O papel decisivo das organizações com base de fé na luta pelos direitos humanos – “Organizações da sociedade civil com base de fé não são criadas para serem ‘freios’ de mudanças. Seu papel é refletir e discutir questões consideradas difíceis em outros espaços, e são organizações como a FLD que fazem isso” –; 3. O desenvolvimento de uma confiança ativa; 4. Redescobrir a coragem de fazer a crítica da religião, especialmente dentro das igrejas.
Este último foi enfatizado por ela. “Justamente nós, igrejas, não podemos promover o fracasso do projeto de Deus”.
Daniel Souza, recentemente eleito como presidente do Conjuve, avaliou o cenário atual, de crescente conservadorismo, estagnação do governo e ataques à democracia. O Conjuve, vinculado à Secretaria Geral da Presidência, tem como uma de suas atribuições formular e propor diretrizes para as políticas públicas de juventude. Como fazer isso? “O que nos move é a espiritualidade”, afirmou. “O coração da nossa fé é a luta por justiça e por uma comunidade de iguais, na sua diversidade.”
A participação na política deve acontecer de forma ativa. “Diaconia transformadora é fazer a crítica do Estado”, disse. As pessoas não podem ter suas vidas reguladas por leis. “O sentido da política é promover a liberdade”. Para ele, é preciso sonhar. “Precisamos sonhar um projeto diferente de sociedade, que seja intrarreligiosa, inter-religiosa e de luta por justiça”.
Movimentos sociais
À tarde, a mesa, moderada pelo pastor da IECLB em Três de Maio e voluntário do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), Renato Kuntzer, foi composta por representantes de diferentes movimentos sociais, que trouxeram situações de injustiça e de luta. O cacique Kaingang Luís Salvador, da Terra Indígena Rio dos Índios, em Vicente Dutra (RS), lembrou as violências contra os povos indígenas, especialmente na questão da terra. “Depois de muito tempo, conseguimos a demarcação da nossa terra, um espaço de 715 hectares, e as pessoas acham isso muito”, disse. “Tem pessoas que, uma só, são donas de milhares de hectares. Não é direito. Não queremos todo o Brasil. Tem terra para todos.”
Télia Negrão, da organização Coletivo Feminino Plural, participante do Movimento de Mulheres, afirmou que o patriarcalismo, o patrimonialismo e o escravismo estão por trás das questões de gênero, uma vez que estabelecem quem tem e quem não tem valor na sociedade. “A luta das mulheres por seus direitos nasceu do confronto ao fato de não termos voz, de falarem por nós e de decidirem por nós”, disse. Para ela, a luta das mulheres é por uma democracia que radicalize as transformações na construção de uma sociedade inclusiva e de direitos.
Renel Simon, da comunidade haitiana de Lajeado (RS), falou sobre a situação das imigrantes e dos imigrantes vindos do Haiti, depois do terremoto naquele país. “A sociedade brasileira tem uma imagem negativa das imigrantes e dos imigrantes. Temos tido tratamento de escravos em muitas empresas”, disse. “E por quê? Por que vem de um país pobre? Muitos de nós têm formação qualificada e o Brasil precisa de mão de obra técnica. Respeitamos a cultura brasileira e queremos que nos respeitem, que respeitem nossa cultura. Mas as portas parecem bem trancadas”. Na cidade de Lajeado, Simon trabalha para o poder municipal, que atualmente é referência no atendimento e acompanhamento às haitianas e aos haitianos na região.
A família de Neudicléia Neres Oliveira, integrante do MAB, foi expulsa do município de Celso Ramos, em 1998, com a construção da barragem de Machadinho. “Desde então, estamos no MAB”, contou. Nenhuma pessoa é consultada se quer sair de sua propriedade. “Queremos o direito de dizer não ou então de sermos indenizados de forma apropriada, o que não acontece”. A principal questão é que não existe nenhuma política pública que nos atenda.
Alex Cardoso, integrante da equipe de Articulação do Movimento Nacional de Catadores de Materiais Recicláveis (MNCR), avaliou que o tempo de hoje não é totalmente negativo. “As dificuldades que os movimentos sociais estão enfrentando fortalecem a luta”, disse. “Além disso, mostram a necessidade de sentarmos juntos, como estamos fazendo hoje, nesta mesa. Isso precisa acontecer.”
“Queremos a volta da boa política, daquela que cuida do nosso bairro, da nossa cidade”, afirmou Paulo Becker, do Movimento de Trabalhadores Desempregados (MTD). Em termos de MTD, um dos objetivos é fortalecer ações locais com as questões nacionais. “Queremos contribuir de onde estamos, nas periferias das cidades.” Ainda, relações entre as entidades devem ser retomadas. “Sem as redes, não tem como sobreviver”.
Anderson Girotto cresceu no Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST) – sua família foi acampada quando ele tinha um ano de idade –. Ele está acompanhando as mudanças no movimento, provocadas por uma conjuntura muito rápida. “Da luta contra o latifúndio, nossa luta agora é contra o agronegócio”, afirmou. Alimentos viraram commodities, e 50% da “riqueza” do Brasil vem da exportação da produção da produção em larga escala. Neste contexto, a luta do MST avançou, com a proposta da Reforma Agrária Popular. “Precisamos pensar em um modelo viável de produção”.