DOAR AGORA

Organizações ecumênicas se manifestam sobre a conjuntura brasileira

Organizações ecumênicas se manifestam sobre a conjuntura brasileira
17 de maio de 2016 zweiarts

O Fórum Ecumênico ACT-Brasil (FEACT), do qual a FLD faz parte, como membro da coordenação, denuncia para parceiros ecumênicos internacionais a ruptura democrática ocorrida no Brasil. Em sua carta, o FEACT destaca pontos que considera preocupantes na conjuntura política brasileira atual.

O documento afirma que, desde 2013, com as mobilizações de rua, o Brasil passou a viver um processo de desestabilização democrática. “Inicialmente, estas mobilizações foram resultado da ação organizada do movimento estudantil pelo passe livre. No entanto, gradativamente, elas foram se transformando. Novos atores e atrizes foram se integrando e as mobilizações foram tomando rosto e expressões estranhas, entre elas, a hostilidade a partidos políticos e a movimentos sociais”, destaca o texto.

– Leia aqui a carta em português.
– Leia aqui a carta em inglês.
– Leia aqui a carta em alemão.

Vale notar que o FEACT também chama atenção para questões como a intolerância e, ainda, se detém numa análise bastante oportuna sobre o governo interino de Michel Temer, quando analisa o programa de governo dele, o dito Ponte para o Futuro. “O programa defende um rigoroso processo de privatização de empresas públicas” e “afirma que os acordos coletivos devem prevalecer sobre as normas legais de proteção social ao trabalhador. Em termos práticos, isso significa reforma na legislação trabalhista brasileira com a retirada de direitos, tais como, férias de 30 dias remuneradas, Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) e 13° salário”, destaca a declaração.

Leia a manifestação na íntegra:

FÓRUM ECUMÊNICO ACT BRASIL – FE ACT BRASIL

Carta sobre a situação política do Brasil

Às organizações parceiras do movimento ecumênico brasileiro,

Compartilhamos perspectivas do cenário de nosso país, para que, em compromisso coletivo, possamos encontrar alternativas nesse momento triste e delicado que vivenciamos, com a admissibilidade do impeachment da Presidenta da República.

Não se pode analisar o processo de impedimento da Presidenta eleita sem levar em consideração algumas especificidades no nosso contexto.

Desde o ano de 2013, com as mobilizações de rua que aconteceram, vivemos um processo de desestabilização democrática. Inicialmente, estas mobilizações foram resultado da ação organizada do movimento estudantil pelo passe livre. No entanto, gradativamente, elas foram se transformando. Novos atores e atrizes foram se integrando e as mobilizações foram tomando rosto e expressões estranhas, entre elas, a hostilidade a partidos políticos e a movimentos sociais organizados. Não raras vezes, pessoas vestidas de vermelho foram agredidas, mesmo quando a cor significava apenas uma preferência estética e nada tinha a ver com partido ou orientação política. Provavelmente, ainda não tenhamos compreendido muito bem estas mobilizações. No entanto, não é possível compreender o momento atual sem resgatar 2013.

O ódio e a polarização política que perpassaram as eleições democráticas de 2014 perduram até o momento.

Temos, atualmente, o congresso mais conservador desde 1964. Rostos, que possuem cor, sexo, religião e classe: são homens, brancos, burgueses e cristãos. Isso exige de nós a coragem de analisar profundamente os diversos papéis desempenhados por pessoas religiosas e organizações religiosas no espaço público. O movimento ecumênico latino-americano, ao longo de sua história, assume a busca pela justiça motivada pela Fé e unidade como missão.

Nesse ambiente confuso, não foram isolados os linchamentos públicos e o desejo de fazer justiça pelas próprias mãos.  Este foi o caso do adolescente negro agredido e acorrentado nu, no centro do Rio de Janeiro, em fevereiro de 2014. Tão instigante e inquietante quanto os linchamentos são os casos de intolerância religiosa em nosso país. Em especial, contra as tradições africanas e indígenas, embora pessoas muçulmanas, ciganas também estejam nos índices da intolerância religiosa.

A intolerância religiosa é racista e machista. Ela tem um forte componente econômico e de negação da distribuição justa e equânime dos Bens Comuns. Isso porque, a aniquilação da tradição religiosa indígena, por exemplo, representa acabar com a cosmovisão desses povos e de seu sentido de mundo. Matam-se seus deuses e deusas para depois tirar suas terras. Nos atuais moldes de nossos representantes políticos, se legitimam leis com fundamento bíblico e usurpam fundamentos cristãos para beneficiar determinadas Igrejas e deslegitimar outras vertentes religiosas.

Neste contexto, a fragilização do movimento feminista e a invisibilização da sua agenda de luta por direitos, com gradativos ataques aos direitos das mulheres, o extermínio da juventude negra, LGBTTfobia e tantas outras violências, expressam um processo civilizatório em deterioração.

Reconhecemos que o governo que está sendo julgado e afastado tem limites. E muitos. Alguns exemplos são: a fraca política indigenista; a opção por construção de barragens, ao invés de investimento em energias renováveis; a política de reforma agrária pouco ousada; o ajuste fiscal financeiro que gera desempregos, a não regulação democrática dos meios de comunicação. Soma-se a esses exemplos a não implementação do Plano Nacional de Direitos Humanos 3 (PNDH3), alvo de ataques de grupos religiosos conservadores e a tímida ousadia em promover políticas reais de transformações estruturais, entre tantas outras.

Apesar disso, este foi um governo eleito democraticamente. Nenhuma de suas fragilidades e nenhum de seus erros são argumentos para o impedimento.  O que está em jogo, na verdade, é o retrocesso de avanços populares acumulados em 30 anos, traduzidos na Constituição e em políticas públicas.

O processo de ruptura da ordem democrática nos conduzirá de forma veloz em direção ao neoliberalismo, que sabemos, arrasou recentemente com países da Europa. O impedimento da presidenta da república simbolicamente representa o linchamento público de uma mulher e também a ruptura com políticas sociais que garantiam, mesmo que minimamente, a inclusão de grupos mais vulneráveis da sociedade. Nos últimos 13 anos, a renda das populações em situação de vulnerabilidade teve um aumento real de 129%, descontando a inflação. Houve uma redução significativa da pobreza extrema que, em 13 anos, reduziu de 35,2% para 21,4%. Soma-se a isso, o aumento real do salário mínimo em 53%.

O que vem pela frente? Um Programa de Governo chamado “Ponte para o Futuro”, que tem como principal arauto o vice-presidente Michel Temer. Trata-se de um Programa de governo que tem como meta “criar condições para o crescimento sustentado da economia brasileira”. O Programa, entre outras coisas, deseja executar uma política de desenvolvimento centrada na iniciativa privada, por meio de transferências de ativos, concessões amplas em todas as áreas de logística e infraestrutura, parcerias para complementar a oferta de serviços públicos e o retorno ao regime anterior de concessões na área de petróleo, oferecendo à Petrobras o direito de preferência. O programa defende um rigoroso processo de privatização de empresas públicas. Na área trabalhista, o documento afirma que os acordos coletivos devem prevalecer sobre as normas legais de proteção social à classe trabalhadora. Em termos práticos, isso significa reforma na legislação trabalhista brasileira com a retirada de direitos, tais como, férias de 30 dias remuneradas, Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) e 13° salário.

Nos anúncios já realizados pelo governo interino de Michel Temer, nos preocupam sobremaneira a restrição aos direitos humanos. Foi extinto o Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial, da Juventude e dos Direitos. A composição do novo Ministério, até o momento, indica a ausência absoluta de mulheres, tendo em vista que todos os ministros escolhidos são homens e brancos. O ministro de Justiça e Cidadania, Alexandre Moraes, foi secretário de segurança pública de São Paulo e advogado de defesa de grupos do crime organizado. Identifica os movimentos sociais como terroristas.

É importante destacar que parte significativa dos integrantes do governo interino é acusada de crimes de corrupção. O vice-presidente Michel Temer é uma dessas pessoas. O fisiologismo entre religião e política tende a se aprofundar. Michel Temer é próximo de outras lideranças religiosas que atuam em favor de pautas controversas. Estas pautas envolvem temas como: família, gênero, orientação sexual, estatuto do desarmamento, maioridade penal, entre outras.

Por fim, importante compartilhar que todo este processo nos coloca frente-a-frente com o Brasil real: um país que nunca superou suas divisões de classe, gênero e raça. No âmbito de nossas igrejas há polarizações. Não raras vezes, grupos conservadores que reproduzem discursos de ódio às pautas de direitos humanos tendem a ter mais voz e presença nos ambientes institucionais. Marginalizam-se, como em tempos anteriores, grupos, organizações e pessoas favoráveis aos direitos humanos. Nossas teologias estão fragmentadas, bastante voltadas para a produção acadêmica e relativamente distantes do dia-a-dia. A produção teológica, por vezes, corre o risco de somar-se a um ambiente ideológico propício à criminalização de todas as lutas sociais e de todas as defensoras e defensores de direitos.

Nossa condição de fermento na massa e de proclamar a esperança contra toda a desesperança continua. Neste delicado contexto, é fundamental que assumamos o desafio e a coragem de testemunhar uma prática ecumênica voltada à resistência e a reafirmação da luta pela justiça. Para tanto, seguir na articulação de redes, fóruns, frentes e coalizões nacionais e internacionais, capazes de ampliar e fortalecer nossas agendas de luta e afirmação de direitos para a superação das adversidades. A luta por direitos é digna, afirmadora das diversidades e difere da luta por privilégios e poder.

Nossos tempos são de muitos exílios, cooperação, resistências e fé!

Nossos sonhos serão nosso chão. E nossas mangas estarão arregaçadas pela profecia.

Assinam pela Coordenação do FEACT
Pa. Cibele Kuss – Fundação Luterana de Diaconia
Edoarda Scherer – Rede Ecumênica da Juventude

Rafael Soares – KOINONIA

Pa. Romi Márcia Bencke – Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil

Reverenda Sônia Gomes Mota – Coordenadoria Ecumênica de Serviço

Organizações Brasileiras que integram o Fórum Ecumênico ACT-Brasil
Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil – CONIC
Conselho Latino-Americano de Igrejas – CLAI Brasil

Coordenadoria Ecumênica de Serviço – CESE

Fundação Luterana de Diaconia – FLD

Koinonia – Presença Ecumênica e Serviço

Comissão Ecumênica dos Direitos da Terra – CEDITER

Centro Ecumênico de Serviço à Evangelização, Capacitação e Assessoria – CECA

Centro Ecumênico de Serviços à Evangelização e Educação Popular – CESEEP

Centro Ecumênico de Estudos Bíblicos – CEBI

Diaconia – Organização Social de Serviço

Universidade Popular – UNIPOP

Comissão Ecumênica de Combate ao Racismo – CENACORA

Dia Mundial de Oração – DMO

Associação de Seminários Teológicos – ASTE

Programa de Formação e Educação Comunitária – PROFEC

Rede Ecumênica da Juventude – REJU

Plataforma de Ação e Diálogo – PAD

Brasília, 17 de maio de 2016.