Entre os dias 23 e 25 de novembro, a equipe da FLD visitou comunidades que são acompanhadas pelo Conselho de Missão entre Povos Indígenas (COMIN), pelo Centro de Apoio e Promoção da Agroecologia (CAPA), além de outras, envolvidas em projetos executados pela FLD, como o Pampa e o Mulher Catadora é Mulher que Luta, que também tem projetos apoiados pelo Programa de Pequenos Projetos (PPP).
A atividade buscou alcançar uma intensa aproximação entre a FLD e os grupos apoiados, para fortalecimento da atuação conjunta. Também integra o processo de formação da equipe para a elaboração da Política de Justiça Socioambiental da FLD. O agrônomo e ambientalista Arno Kayser tem assessorado este processo e acompanhou as visitas.
Nos três dias, a equipe esteve em uma aldeia indígena, uma propriedade de produção ecológica familiar, uma comunidade quilombola, um assentamento da reforma agrária e uma cooperativa de catadoras e catadores de materiais recicláveis.
Roteiro
O roteiro teve início em São Leopoldo (RS), na Terra Indígena (TI) Por Fi Gâ, do povo Kaingang, junto com Kassiane Schwingel, do COMIN, que acompanha a aldeia. Ali, a equipe da FLD conversou com a indígena Cleuza e com o cacique Antônio dos Santos, que contaram sobre o processo de criação da TI, em 2007. A terra foi doada pelo poder público municipal, acolhendo famílias que chegaram em São Leopoldo por volta de 1990.
A relação com a comunidade não indígena no entorno é tranquila, mas já foi difícil. Depois da decisão de se criar a aldeia, lideranças do bairro organizaram um abaixo-assinado contra os Kaingang, buscando impedir que residissem ali. O documento foi encaminhado para a Câmara de Vereadoras e foi rejeitado em votação. A boa vizinhança foi sendo construída desde então, em um processo de aceitação mútua e de respeito.
Em outros pontos da cidade, no entanto, o preconceito é constante. “Quando estou vendendo artesanato, me dizem que eu não tenho nada que fazer aqui, que devia voltar para o interior”, contou Cleuza. “Às vezes, nos mandam embora, mesmo que estejamos com crianças.” Também na escola fora da aldeia, o preconceito pode vir, inclusive, de professoras e professores. “A gente percebe pelo jeito deles falarem com a gente, chamando de índio, e não pelo nome. Eu tenho um nome”, disse um jovem.
Atualmente, 45 famílias residem na Por Fi Gâ, considerada uma “aldeia urbana” por se localizar na periferia da cidade. Na aldeia, há uma escola indígena que atende as crianças até a 5ª série. Depois disso, a única alternativa para a continuidade dos estudos é em escolas fora da aldeia. A vegetação na TI vem se recuperando, assim como a presença de pequenos animais, que haviam desaparecido. “Para nós, esse mato, os animais, tudo é importante na nossa vida. Comemos raízes, precisamos manter nossos alimentos naturais, os cipós para o artesanato, os chás. Por isso, deixamos ali, sem tocar. As fontes de água, conservamos”, disse Antônio.
A comercialização dos itens artesanais, que garante o sustento das famílias, caiu muito. O desrespeito aos direitos fundamentais dos povos indígenas, no geral, tem aumentado imensamente. “Mas, não dá pra parar de lutar”, reforçou.
No final da conversa integrantes da FLD puderam experimentar o bolo na cinza, alimento tradicional e que foi preparado especialmente para a visita.
À tarde, a equipe da FLD foi para o interior de Venâncio Aires (RS), onde visitou a propriedade da família de Lori e Clécio Weber, agricultora e agricultor ecologistas que recebem acompanhamento técnico do Centro de Apoio e Promoção da Agroecologia (CAPA). Junto com a nutricionista Melissa Lenz e o engenheiro agrônomo Rogério Boemeke, do CAPA, a equipe da FLD dialogou com a família, na varanda da casa, sobre alegrias e desafios de trabalhar com a produção e a comercialização agroecológica.
“Decidimos adotar a produção orgânica em 2002, com mais famílias, e passamos a receber o acompanhamento do CAPA”, contou Lori. O casal integra o grupo Eco da Vida e produze hortaliças, mel e derivados de cana de açúcar, melado e açúcar mascavo, processados em uma agroindústria familiar. “É uma escolha pela nossa saúde e de quem consome o que produzimos. Apesar de ser mais difícil, é possível sim tirar o sustento da terra, sem mexer com veneno”, complementou Clécio.
No que se refere a desafios, esses incluem a ampliação da proposta agroecológica que só será possível com o envolvimento de maior número de famílias agricultoras, especialmente jovens, e a compreensão e colaboração do público consumidor urbano na aquisição de produtos. Outro ponto é o atual contexto político e a fragilização de políticas públicas pelo Governo Federal, a exemplo do Plano de Aquisição de Alimentos (PAA) e do Plano Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), que garantiam, para agricultoras e agricultores familiares ecológicos, o acesso a mercados institucionais.
Depois da visita à família Weber, a equipe da FLD foi à Santa Cruz do Sul, onde foi recebida na sede local do CAPA, pelo coordenador Sighard Hermany e a equipe técnica e administrativa. Também esteve na loja da Cooperativa Regional de Agricultores Familiares Ecologistas (Ecovale), junto da sede. No mesmo local, acontece a feira agroecológica, nas terças e sextas-feiras, além das duas em Venâncio Aires.
Na quinta-feira, o grupo dirigiu-se à comunidade quilombola Corredor dos Munhós, em Lavras do Sul (RS), onde, depois de intensos diálogos sobre a história de vida das pessoas no território e de interação com o espaço, participou de um almoço com pratos típicos – arroz com charque de ovelha, feijão, quibebe e, de sobremesa, canjica – e sucos de amora, laranja e couve com laranja. O almoço foi preparado por Maria José de Camargo Munhós e Rosamaria Nunes Soares Munhós, junto com outras mulheres da comunidade. Tainara Marques Camargo, “seu” Neco, Vicente e Vital mostraram uma parte das terras do quilombo, contando um pouco de sua história.
Um dos saberes mantidos pela comunidade é a técnica de construção de casas, de pau-a-pique ou torrão (com uso de barro) e quincha (com cobertura de palha). Com o objetivo de valorizar esse saber tradicional, o projeto Pampa, durante o ano de 2016, realizou nesta comunidade a 5ª etapa do Curso de Permacultura, que promoveu intercâmbios de saberes e práticas entre comunidades quilombolas e assentamentos da região.
À tarde, foi a vez de conhecer a formação Guaritas, em Caçapava do Sul, região de grande presença de pecuaristas familiares. A formação rochosa teve sua origem cerca de 250 milhões de anos e é resultado da ação da água e do vento sobre as rochas sedimentares formadas em mares internos que existiram na região. Posteriormente, a região emergiu das águas e as rochas foram trabalhadas pelo vento e pelas chuvas que esculpiram a paisagem atual.
Na sexta-feira, o grupo esteve no Assentamento Santa Maria do Ibicuí, em Manoel Viana, onde conheceu a cisterna construída na Escola Estadual de Ensino Fundamental Paulo Freire, em outro momento do Curso de Permacultura, para o armazenamento de água da chuva, e o círculo de bananeiras, para o tratamento da água proveniente da pia da cozinha. A perspectiva é que o trabalho tenha continuidade, envolvendo estudantes e docentes em ações que vinculem o espaço escolar às temáticas que estiverem sendo abordadas também no contexto do assentamento como um todo.
Logo após, o grupo visitou a Cooperativa Regional da Reforma Agrária Vianense (Copeara), que tem um projeto apoiado pelo PPP. O espaço que está sendo reformado vai servir para a lavagem e organização de hortifrutigranjeiros produzidos no assentamento e seu encaminhamento para feiras do município.
No assentamento, o grupo também visitou a propriedade do casal Paulo e Ledi Fanfa, que integra a Associação de Produtores de Arroz Orgânico (Aprao) e a Cooperativa Regional dos Assentados da Reforma Agrária de Manoel Viana (Comav). Paulo e Ledi participaram do curso de Permacultura e adotaram o formato da Agroecologia. Os dois têm feito experimentos sobre quais as melhores formas de recuperar a terra, de adubação e tratamento das plantas, entre outros. Conforme relatou o casal, os resultados têm sido expressivos, e em um prazo curto de tempo.
O roteiro foi finalizado em Uruguaiana, com visita à central de triagem da Associação de Catadoras e Catadores Amigos da Natureza (Aclan), vinculada ao Movimento Nacional de Catadores de Materiais Recicláveis (MNCR), que realiza a Coleta Seletiva Solidária na cidade. A coordenadora da Aclan, Maria Tugira Cardoso, coordenadora da Aclan, mostrou o espaço, onde é feita a separação, pesagem e organização dos materiais coletados porta a porta pelas catadoras e catadores.
Nesse dia, a Aclan inaugurou um entreposto, em espaço cedido pela Prefeitura, para o recebimento de materiais recicláveis e que vai servir como escritório. Após a inauguração, o grupo da FLD conversou com catadoras e catadores, compartilhando anseios e desafios no trabalho realizado no município, entre os quais os atrasos frequentes no recebimento dos valores contratados com a Prefeitura pela prestação do serviço de coleta. Outro grande desafio é a necessidade de se fazer deste, um local doado em definitivo pela prefeitura à Aclan, já que a associação passa a dar um destino adequado ao prédio até então abandonado.