Dia 1º de agosto entrou para a história como uma data de protesto, mas também de celebração. Afinal não é todo dia que aquelas e aqueles que têm lutado por um mundo mais justo ganham a oportunidade de renovar seu compromisso com as ruas. Religiosos, religiosas de pelo menos 20 diferentes tradições, indígenas, quilombolas, jovens e trabalhadores da cidade e do campo, além de representantes de movimentos sociais foram à Cinelândia, na cidade do Rio de Janeiro, participar da Vigília da Dignidade. Dali saíram com convicção redobrada de que ocupar o espaço público é preciso.
A iniciativa fez parte da ação promovida em âmbito nacional e internacional em favor da Democracia e contra o atual cenário de preconceitos, xenofobias, discriminações, patriarcalismos e ações de retiradas de direitos universais.
Em Porto Alegre (RS), a Vigília da Dignidade foi realizada no dia 31 de julho, domingo, na praça da Redenção, que nos finais de semana, concentra milhares de pessoas. A promoção foi do Fórum Inter-religioso e Ecumênico do RS, com apoio da FLD e do Conselho Nacional de Igrejas Cristãs (CONIC/RS). Integrada às atividades da Frente Brasil Popular, a vigília foi conduzida pela secretária executiva da FLD, pastora Cibele Kuss e pela representante da Comissão Pastoral da Terra (CPT/ RS), Simone Pegoraro.
Rio de Janeiro
No Rio de Janeiro, o evento teve início à tarde e foi até à noite, com atividades culturais, apresentações, debates e, principalmente, muito diálogo sobre caminhos possíveis para um futuro no qual o respeito à dignidade seja o princípio básico de todas as relações entre as pessoas e delas com o planeta. Iniciado às 14 horas, foi dividido em dois momentos: à tarde, na Tenda da Dignidade, e à noite, no palco montado no local. Na tenda, rodas de conversa sobre temas como intolerância religiosa e o papel das diferentes tradições de fé na construção de um mundo sustentável. Enquanto os diálogos aconteciam, o público que passou pela Cinelândia também podia visitar o espaço Cura & Espiritualidade, voltado para o cuidado a partir de práticas de conexão com o sagrado, valorizando a pluralidade de expressões de fé.
A tenda também abrigou algumas performances artísticas e o lançamento de publicações sobre o tema dos direitos com diferentes enfoques.
Moema Miranda, do Ibase e do Serviço Interfranciscano de Justiça, Paz e Ecologia (Sinfrajupe), relembrou, durante uma das rodas de conversa, da importância da valorização dos saberes de base tradicional. “O imenso desafio que temos é popularizar e valorar o conhecimento que nós já temos, atribuindo a ele o mesmo valor do conhecimento produzido por outros centros de saber. A ciência tem uma contribuição nesse debate? Claro, mas não pode ser ‘a palavra’ sobre o assunto. Os governos têm conhecimento acumulado sobre? Também têm, mas não podem ser ‘a palavra’ a respeito. Nós como povo, como religiosos também temos um conhecimento, nós cristãos, os povos de terreiro que são profundamente vinculados à dinâmica da vida, os povos indígenas com as suas espiritualidades, nós temos um saber construído sobre as causas e as possibilidades de mudança, temos um conhecimento válido”, disse.
Ivone Bernardo, atual presidente da Associação de Comunidades Quilombolas do Estado do Rio de Janeiro (ACQUILERJ), destacou o fato de a vigília representar uma ação que reafirma a necessidade de se garantir direitos conquistados. “Nós queremos mostrar que, no Brasil, esse governo interino tem acabado com conquistas de anos, que custaram muita luta. Hoje isso tudo, junto com políticas públicas, tem andado pra trás. Isso quando não conseguiram acabar de vez com as políticas. Por isso estamos vigilantes!”
À noite, o palco começou a ganhar vida com mais apresentações intercaladas por falas de religiosos, representantes de povos tradicionais e ativistas de movimentos sociais. Tudo apresentado pelos atores Cristina Pereira, Bete Mendes e Eduardo Tornaghi – este também declamou poesias -, do Movimento Humanos Direitos.
“Estamos afirmando a dignidade de todas e todos que pelo simples fato de nascer devem ter direitos, sejam mulheres, homens, de diferentes etnias e as diferentes expressões de fé. Porque há o avanço da ideia do mérito como valor primordial que implica, na verdade, em um processo de negação de direitos. Queremos voltar pra essa base: somos dignidade!”, ressaltou Rafael Soares de Oliveira, diretor executivo de KOINONIA.
Por volta das 18 horas, a Tocha da Dignidade foi colocada no alto do Morro da Mangueira, na Zona Norte, onde ficará até o fim dos Jogos Olímpicos. Mais perto do momento de celebração ecumênica e inter-religiosa que encerrou o evento, iluminando a Cinelândia com velas, o líder do Movimento Sem Terra, João Pedro Stédile, subiu ao palco e fez um discurso chamando as pessoas para irem às ruas nos dias que seguiriam.
“Vida digna é onde todos têm as necessidades respeitadas. As materiais e espirituais. Vivemos uma crise econômica, social e ambiental. Frente a essa crise, a burguesia passou a conspirar dia e noite, com objetivo de reaplicar um projeto que só beneficia os grandes capitalistas. Isso se converteu num desrespeito apenas aos nossos votos, mas numa vontade de explorar mais. Não satisfeitos, esses grandes capitalistas querem comprar a nossa terra. Se isso acontecer, ocupar essas terras será nossa prioridade número um”, revelou.
A vigília terminou com uma grande mística inter-religiosa e política, que emocionou o público presente. Durante a cerimônia, foram lembrados os povos que tem sofrido violações de direitos, no Brasil afora e no mundo, especialmente as pessoas afetadas pelos impactos mais extremos das obras dos Jogos Olímpicos no Rio.
Texto: Koinonia / Rio de Janeiro
Fotos: 1 a 5 / Koinonia (RJ); 6 a 10 / FLD (Porto Alegre)