Irene da Rosa Bandeira,agricultora do Assentamento Potreiro Grande, de Rosário do Sul
“Eu quero, enquanto eu viver, defender a vida com saúde, sem veneno e sem impureza.”
A fala de Irene da Rosa Bandeira, agricultora do Assentamento Potreiro Grande, de Rosário do Sul, fechou a parte da manhã do 1º Encontro de Mulheres do Campo na Pampa – Trajetórias e Identidades,
realizado no dia 5 de dezembro, na Uergs, em Alegrete (RS).
O encontro, que trouxe reflexões sobre Mulheres da Pampa, Identidades, Agroecologia, Gênero, Juventudes, Violência contra a Mulher e Redes de Apoio, foi realizado pelo projeto Pampa, da FLD, em parceria com o MST e contou com apoio da Uergs e da Unipampa. Reuniu mais de 115 mulheres vindas de São Francisco de Assis, Manoel Viana, Alegrete, Rosário do Sul e Santana do Livramento.
O espaço foi de diálogo e de troca de experiências. Muitas participantes compartilharam suas histórias de vida, de cultivo do alimento saudável e de superação da violência. Irene contou, em uma de suas falas, que em certa época de sua vida ficou meses de licença saúde, com doenças cujos tratamos eram caríssimos. Quando se mudou para Rosário do Sul, iniciou uma nova carreira: agricultora. A partir do consumo do seu
próprio alimento agroecológico, foi ficando bem: “Vi que meu produto era bom e comecei a vender. Ia de porta em porta, oferecendo e assim criei minha clientela. Aquilo que é bom a gente não deve desistir, tem que ir à luta”, conta.
Outro ponto abordado no encontro foi a necessidade de se buscar o empoderamento das mulheres em diversos espaços de tomada de decisão. Ana Maria da Silva Leite, agricultora do Assentamento Santa Maria do Ibicuí, em Manoel Viana, compartilhou, na mesa sobre Mulheres da Pampa e Identidades, os avanços nessa área. “As mulheres estão na produção, mas ainda não estão na diretoria. Sabemos que temos capacidade. É algo visualizado por nós, mas ainda há resistências da parte de quem ocupa esses espaços”, comentou.
Maria Tugira Cardoso, catadora de materiais recicláveis da Aclan, de Uruguaiana, expressou a situação de exclusão e invisibilidade que as mulheres catadoras enfrentam. Segundo ela, as mulheres devem se unir e lutar para ocupar os lugares atualmente ocupados somente por homens. “Somos nós, mulheres, que temos que buscar esse direito. Levantar a voz e nos colocarmos nesse espaço de liderança. Vocês acham que o homem sabe mais do que nós? Tem mais poder do que nós? Certamente não”, afirmou.
Os relatos trouxeram algo em comum: a inconformidade com o fato de mulheres trabalharem mais e terem menos voz ativa do que os homens. Por isso, o encontro chamou ao empoderamento feminino. “Temos que nos agarrar com as duas mãos! Que nosso encontro seja cheio de ânimo e coragem para voltarem a lutar. A luta não pode ser esquecida.
Não podemos ficar com braços cruzados nesse momento”, firmou Olívia Chimello Cupsinski, agricultora do Assentamento Cerro dos Munhoz, de Santana do Livramento.
Do ponto de vista kilombola, há um agravante. “A mulher negra é uma das mais sofridas no nosso país e isso é lamentável. É lamentável quando chegamos na universidade e vemos somente uma ou duas negras. Cadê a juventude negra?”, questiona Mariglei Dias de Lima, liderança da comunidade kilombola Rincão da Chirca, de Rosário do Sul.
A segunda mesa, com o tema Mulheres e Agroecologia, foi composta por Patrícia Lovato, educadora da EFASul, de Canguçu, Denise Peter, agricultora familiar da ARPASUL, da região de Remanso, em Canguçu, e Irene da Rosa Bandeira, agricultora do Assentamento Potreiro Grande, de Rosário do Sul.
“Agroecologia e feminismo tem tudo a ver. A agricultura é uma atividade feminina que, ao longo da história, foi masculinizada e apropriada pelos homens. Fomos nós mulheres que, a partir de uma delicada e longa observação, percebemos uma semente germinando no solo”, afirma Patrícia Lovato. Segundo ela, foi a partir dessa descoberta que a vida em comunidade teve início. “Agroecologia sem transformação social é apenas produto orgânico. Agroecologia é comida soberana para todas e todos. Igualdade social. Solidariedade”, conclui.
Denise Peter, criada no meio da agricultura, contou sobre a ajuda que o Centro de Apoio e Promoção da Agroecologia (CAPA) deu para a família iniciar uma produção agroecológica. “Meu pai falava que agricultura era a última profissão que a gente tinha, mas o CAPA veio e mudou a nossa visão.” A família foi a primeira da região a iniciar o trabalho com a agroecologia, e agora é exemplo para os demais coletivos. Denise exalta a organização feminina para manter o trabalho e gerar renda: “Hoje nós somos três mulheres na diretoria e eu sou vice secretária da Associação. Só a organização faz com que a gente possa chegar num bem comum e ser capaz de se manter. Nossa organização que vai nos manter daqui para frente”, finaliza.
Patrícia Lovato, educadora da EFASul, de Canguçu
Na parte da tarde, o grupo foi dividido em duas oficinas: uma para dialogar sobre Identidade de gênero, com o assessor de projetos da FLD Rogério Oliveira de Aguiar, e uma Roda de Juventude, com Tiago Graube, mestrando em Teologia na Faculdades EST, que desenvolve pesquisa com juventudes.
Rogério falou sobre diferenças e desigualdades de gênero, trazendo uma reflexão sobre violências e sororidade. “Trabalhamos o conceito de gênero como lente com a qual se enxerga a cultura machista existente em nossa sociedade e suas sutilezas”. O termo sororidade foi trabalhado na perspectiva do resgate e da desconstrução do imaginário de que mulheres são naturalmente concorrentes entre si. “Essa é uma estratégia de guerra fria implantada pelo machismo no intuito de enfraquecer os grupos de mulheres e impedir o empoderamento dos coletivos”, afirma.
Oficina sobre Identidade de gênero, com o assessor de projetos da FLD Rogério Oliveira de Aguiar
A Roda com a Juventude foi construída coletivamente dialogando sobre as perspectivas de gênero e sexualidade. “Construímos diálogos a partir dos papéis socialmente construídos no tocante a ser homem e mulher na sociedade, bem como sobre as violências de gênero, e a opressão sofrida por mulheres em todos os âmbitos sociais. De igual modo, dialogamos sobre o papel da juventude frente a estas questões”, afirma Tiago. As e os jovens prepararam uma apresentação teatral para a plenária, mostrando situações cotidianas que precisam ser vencidas. A encenação evidenciou o fato de que, nas suas casas, geralmente a mulher tem o papel de cuidar das filhas e dos filhos, preparar refeições, e manter o lar organizado, enquanto que o homem pode descansar.
“Precisamos desconstruir comportamentos tóxicos que reproduzimos. Esses mesmos que colaboram com a injustiça de gênero”, afirmaram.
Roda da Juventude, com Tiago Graube, mestrando em Teologia na Faculdades EST
Após o momento das oficinas, a professora Cassiane da Costa, da UERGS Santana do Livramento, conduziu uma roda de conversa sobre o tema Violência de Gênero, com enfoque no contexto rural. Ao falarem sobre os tipos de agressões, dos quais as mulheres são vítimas, abriu-se espaço também para relatos de superação de situações no ambiente doméstico. Cassiane também destacou o ciclo que costuma repetir certas fases, envolvendo primeiramente a Explosão, depois o Arrependimento e, por fim, a Lua de Mel. “É importante que as mulheres estejam sempre atentas aos sinais que denunciam esses ataques, sejam eles físicos ou menos perceptíveis, como as violências [religiosas], psicológicas, morais, patrimoniais e sexuais”. A partir de exemplos sobre cada tipo, se falou sobre a importância da sororidade, para que as mulheres possam se apoiar umas nas outras no enfrentamento.
As crianças tiveram também um uma ciranda dedicada a elas. Uma das mães presentes fez um agradecimento às cirandeiras, destacando a importância desse espaço que permite que as mães possam participar dos encontros enquanto suas filhas e filhos recebem atenção e cuidados.
No final do encontro, as participantes trocaram lembranças, trazidas de seus contextos, como sinal de união e fortalecimento entre as Mulheres da Pampa.