A Fundação Luterana de Diaconia (FLD) e os cinco núcleos do Centro de Apoio e Promoção da Agroecologia (CAPA) realizaram o seminário virtual “O que semeamos para o bem viver?”, no dia 3 de março. A atividade marcou o encerramento do projeto Rede CAPA de Agroecologia: Semeando o Bem Viver da FLD-CAPA, desenvolvido no âmbito do Programa Ecoforte, apoiado pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e pela Fundação Banco do Brasil (Fundação BB).
Mais de 50 pessoas participaram, entre elas, representantes de grupos e organizações beneficiadas e parceiras, além de integrantes das equipes da FLD-CAPA e Fundação BB. O evento contemplou a apresentação dos principais resultados do projeto e a socialização de experiências e aprendizados sobre o vivido, com destaque para a implantação das unidades de referências nas microrregiões sul do Rio Grande do Sul, oeste de Santa Catarina, sudoeste e oeste do Paraná.
Celebração
Ao dar as boas-vindas, a pastora Cibele Kuss, secretária executiva da FLD-CAPA, destacou e agradeceu a importância das parcerias do setor público com organizações da sociedade civil e movimentos sociais, lembrou das aprendizagens e parcerias com a Fundação BB e o BNDES em projetos anteriores e no atual, e agradeceu as pessoas que protagonizam em seus territórios histórias de lutas e conquistas agroecológicas.
“A pergunta que hoje está aqui no Seminário é atual, global e ética. O projeto Rede CAPA de Agroecologia certamente é o testemunho de uma parceria importante entre nós a partir da participação do povo na execução e no fazer, com a potência de se enraizar como semente do bem viver”.
Robson Vicente de Paula, assessor da Gerência de Monitoramento da Fundação BB, disse que a missão comum de valorizar vidas para transformar realidades fez com que a parceria entre as duas instituições tenha dado certo.
“Espero que esse seja o início de vários outros projetos. Que a gente possa continuar investindo e atuando juntos para abranger mais pessoas e fortalecer a agroecologia. Que possamos semear a democratização, semear mais justiça e buscar sempre acreditar nessa identidade libertadora, que é a identidade com a terra”, finalizou.
Caminhos percorridos
As experiências compartilhadas no Seminário puseram em evidência o principal resultado do projeto: promover e ampliar a produção, o beneficiamento e a comercialização de alimentos de base agroecológica em 35 municípios dos três estados do Sul.
O trabalho foi realizado, especialmente, a partir da implantação de 46 unidades de referência em áreas da agricultura familiar e camponesa e de comunidades tradicionais quilombolas e indígenas. Ao todo, 31 organizações parceiras se envolveram no trabalho, que também abrangeu visitas técnicas, oficinas, reuniões, encontros e feiras.
Em cada região foram constituídos grupos gestores com as organizações parceiras. Nas reuniões, eram discutidas atividades e socializados resultados. Também houve a incidência de representantes do CAPA pautando a agroecologia em espaços como a Comissão de Produção Orgânica (CPOrg) do Rio Grande do Sul e do Paraná e o Conselho Estadual de Segurança Alimentar do Paraná (Consea).
Nos relatos apresentados no Seminário, também foram citados desafios enfrentados devido à pandemia e a fatores climáticos adversos. A pandemia afetou a realização de atividades coletivas e a falta de acesso à internet e a equipamentos no meio rural prejudicou a participação em atividades virtuais. E algumas unidades de referência foram afetadas pela seca, a exemplo de quintais agroecológicos e agroflorestas que tiveram de ser reconstituídas.
Agroecologia por todos os cantos
A socialização dos aprendizados vividos ao longo do projeto foi feita por pessoas que vivem a agroecologia dentro dos biomas do Pampa e da Mata Atlântica. Da produção de panificados no sul gaúcho à agrofloresta em comunidade indígena Guarani no extremo oeste do Paraná, os relatos emocionaram quem participou do evento.
De Morro Redondo, na microrregião sul do Rio Grande do Sul, falou Márcia Scheer, agricultora agroecológica, integrante da Associação Regional dos Produtores Agroecologistas da Região Sul (Arpasul). Ela contou que a conquista de três kits de processamento para panificados melhorou as condições de trabalho e fez com que mais pessoas pudessem trabalhar junto. “Assim permitimos que mais famílias e jovens permaneçam no campo”, afirmou. No momento da fala no Seminário, Márcia estava em casa com a irmã Valéria Rodrigues que, devido ao projeto, pode deixar de trabalhar na produção de fumo para contribuir com o trabalho na unidade de processamento de grãos e produtos da sociobiodiversidade.
Da Comunidade Quilombola Algodão, em Pelotas (RS), o agricultor Nilo Dias falou da implantação de duas unidades de referência no seu território: um quintal agroecológico e uma agrofloresta. Segundo ele, a partir do trabalho nas unidades, a comunidade se organizou no âmbito da produção de alimentos para iniciar a Feira Akotirene, realizada aos sábados no centro da cidade. “Com esse apoio, aumentamos a produção e implantamos a feira. Essa forma de geração de renda atrai jovens para comercializar no espaço, uma vez que sabem que poderão comercializar com preço justo o que produzem, e ainda com retorno semanal da sua produção: eles mesmos produzem, eles mesmos vendem”, destacou.
Em Teutônia (RS), chegamos à horta comunitária desenvolvida a partir de um quintal agroecológico implantado no bairro Canabarro. A pastora Cristiane Echelmeier relatou que a horta nasceu da necessidade comunitária durante a pandemia de ajudar pessoas em vulnerabilidade social: “colher, partilhar e cultivar com quem não tem”. Segundo ela, hoje a iniciativa é conhecida em toda cidade e as pessoas buscam a horta para doar mudas e insumos, oferecer seu trabalho e parcerias em geral.
No oeste de Santa Catarina, em Anchieta, estava a guardiã de sementes Roselei Ronsoni Wille, agricultora há oito anos certificada e presidente da Cooperativa da Agricultura Familiar e de Economia Solidária (Cooperanchieta). Ela expôs sobre o trabalho em uma das unidades de conservação, recuperação e reprodução de sementes crioulas e varietais e reforçou: “onde a gente consegue somar a gente faz parcerias”. De acordo com Roselei, a aquisição dos equipamentos para padronização e seleção de sementes nativas e tradicionais facilitou o trabalho das guardiãs e dos guardiões. Hoje são mais pessoas motivadas a preservar e cultivar as diversas espécies de sementes.
Chegando no Paraná, na região sudoeste, encontramos as unidades de referência de criação de frango de raça. Uma delas instalada na aldeia Kaingang Passo Liso, em Coronel Vivida. Lá, as aves estão sendo criadas com princípios agroecológicos. A criação é utilizada para o autoconsumo e contribui para a segurança alimentar das famílias envolvidas. Getúlio Mauro Maciel, presidente da associação comunitária Kaingang, reforçou a intenção de que ainda mais projetos como o Ecoforte beneficiem a comunidade.
Da aldeia Ocoy, no oeste do Paraná, Fidelino Tupã Barreto, presidente da Associação Comunitária Ocoy, falou que a criançada da comunidade ficou feliz em comer na merenda escolar alimentos produzidos pelas próprias famílias indígenas. A partir do trabalho na agrofloresta implantada pelo projeto, a produção de comida foi organizada de modo que as pessoas da associação pudessem acessar o PNAE (Programa Nacional de Alimentação Escolar). “A comunidade tá vendo a importância disso e vai se organizar mais daqui pra frente”, concluiu a liderança Guarani.
E você, o que gostaria de semear para o bem viver?